Pequena introdução sobre a base constitucional dos planos diretores, e sua importância como instrumento de implementação da democracia participativa na gestão dos municípios.
Estou acompanhando, na função de conselheiro municipal, o processo de revisão do Plano Diretor do município de Ilhabela, no litoral norte de São Paulo. Como pude ver na última reunião do Conselho Municipal de Planejamento e Desenvolvimento Socioambiental da cidade (conhecido como Conselho do Plano Diretor), há por parte dos participantes dúvidas acerca de conceitos jurídicos que permeiam o processo (especialmente pela formação diversa que os mesmos possuem – arquitetos, urbanistas, hoteleiros, ambientalistas, etc…).
Em verdade, qualquer processo de revisão ou criação de Planos Diretores deve, obrigatoriamente, observância ao Princípio da Participação Informada – garantindo a todos os partícipes meios prévios de conhecimento e apreensão dos temas que serão discutidos em audiências públicas, para a garantia de um processo realmente participativo e democrático.
Por conta disso, decidi escrever pequenos textos – dos quais este é o primeiro – dividindo um pouco do conhecimento relativo à minha competência (jurídica) sobre Planos Diretores, legislação pertinente e instrumentos constantes do Estatuto da Cidade. Com isso espero poder auxiliar, ainda que pouco, no desenvolvimento não só do processo de revisão de Ilhabela, mas de qualquer outro município brasileiro que estiver em situação assemelhada.
Assim, em primeiro lugar, vou falar sobre o Plano Diretor em si, e sua base constitucional.
Muitos asseveram que o Plano Diretor tem seu fulcro constitucional no art. 182 da Constituição Federal, que trata do planejamento urbano, mas esse entendimento é incompleto. Em que pese ele ter sido previsto no art. 182 e seus incisos, na verdade, o Plano Diretor é um dos instrumentos legais para o exercício da chamada “democracia participativa” no Brasil, e portanto tem seu fundamento primeiro no artigo 1º e seu parágrafo único e no artigo 29, XII, ambos da Lei Maior.
Neste sentido, vale citarmos as palavras da Professora Daniela Campos Libório Di Sarno, Doutora em Direito Urbanístico e Professora da USP, que explica a importância do efetivo debate e participação popular na criação dos Planos Diretores municipais:
“Deve-se ressalvar, entretanto, que a população não pode ser relegada a um patamar de agente passivo, mero expectador, recebendo as informações sem chances efetivas e reais de questionar, opinar ou fiscalizar. Devem ser criados momentos estratégicos para essa participação de forma que a soberania popular possa ser exercida na sua plenitude. Devem ser momentos ordenados e de conhecimento geral, com finalidades, em que a população saiba qual papel a ser exercido. São momentos de consulta, debate e também de audiência pública. (…) A audiência pública, como instrumento direto de participação popular, deve ser cercada de cautelas para que sejam garantidas sua eficácia e legitimidade. Estabelecer quais situações podem ou devem deflagrar sua aplicação, quem são os legítimos interessados no conhecimento e debate do projeto ou plano, formas de sua publicidade, definição de local, data e hora, registro dos debates, ordem nos questionamentos feitos pelo público, respostas satisfatórias às dúvidas levantadas são itens básicos de qualquer audiência pública, sendo que todas essas etapas deverão seguir uma sequência lógica aos fins pretendidos, e a ausência ou mácula de um deles poderá ensejar sua anulação.” (Direito Urbanístico e Ambiental, Coordenadores: Adilson Abreu Dallari e Daniela Campos Libório Di Sarno, Editora Fórum, Belo Horizonte, 2007).
E é com foco nesse viés de participação popular e democracia participativa, direta, que nasceu o Estatuto da Cidade – lei federal que baliza o processo de criação e revisão dos Planos Diretores Municipais.
Nesse mesmo sentido, em feliz colocação, o Juiz Estadual Caramuru Afonso Francisco, diz que o Estatuto da Cidade “… É, sobretudo, o ‘Estatuto do Cidadão’, onde se cristalizam conceitos e perspectivas que trazem, de forma bem vívida, o Estado democrático de direito para o cotidiano dos habitantes das cidades (…) sendo uma verdadeira ruptura com toda a forma de condução da coisa pública nos Municípios que têm caracterizado nosso país desde seus primórdios. Absolutamente consentânea com a própria principiologia constitucional, que coloca a cidadania como princípio fundamental, abaixo apenas da soberania, o Estatuto da Cidade fundamenta toda a sua ordenação a partir do cidadão…” (Estatuto da Cidade Comentado, Caramuru Afonso Francisco, Editora Juarez de Oliveira, São Paulo, 2001).
Assim, o Plano Diretor é, em síntese, um instrumento jurídico e político de exercício da democracia direta pelos munícipes, que nele apontam a direção que o Poder Executivo deve seguir na administração e gestão da cidade. É instrumento que cria balizas para a atuação do Poder Executivo, tanto que seu art. 40, parágrafo primeiro, diz:
O plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas.
Ou seja, é um instrumento que reduz a discricionariedade do Chefe do Poder Executivo (Prefeito), ao criar uma guia mestra para sua atuação, consonante com a real vontade da população – externada através do exercício da democracia participativa e direta. Assim, atos e projetos do Poder Executivo contrários à essa guia mestra, são ilegítimos e ilegais.
Com isso em mente, podemos trazer à baila a conclusão principal que decorre deste texto: o Plano Diretor deve conter, ao menos, todas as linhas gerais de assuntos que importam para o município, e não só temas afetos a questões urbanísticas técnicas (como zoneamento, coeficientes urbanísticos, etc…),. Pois isso norteará e obrigará as ações do Executivo Municipal.
por: Oliver Alexandre Reinis. Doutorando em Direito e Ciências Sociais, LL.M. em Direito de Negócios, Bacharel pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo FDSBC, Membro da APET – Associação Paulista de Estudos Tributários, Conselheiro do Conselho Municipal de Habitação de Ilhabela/SP, Diretor do Instituto Paulista de Direito Fundiário, Agrário e Urbanístico – IPDFAU, Membro do Grupo Setorial do Gerenciamento Costeiro do Litoral Norte – GERCO/LN da Secretaria Estadual do Meio Ambiente – SMA/SP – biênio 2014/2015. Advogado.
Fonte: Jurisite.com.br/
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