Às vésperas de a Suprema Corte dos EUA tomar algumas decisões importantes, articulistas especializados começaram a expor preocupações com a imprevisibilidade dos ministros, quando têm de sustentar suas decisões em qualquer coisa que não seja estritamente jurídica – ou não seja ideológica. Isso pode afetar alguns casos na pauta.
Com doses de maldade, um artigo indica que os ministros são “alérgicos” a matemática, o que não recomenda apostas em um dos casos da pauta. Outro, que são avessos a estatísticas e podem se basear em dados falsos quando fazem levantamentos por conta própria. E outro mais, que a lógica dos ministros algumas vezes é surpreendente.
Naquela época, havia uma diferença significativa entre vegetais e frutas, não por causa da botânica, mas por causa da “receita federal”. O governo tributava a importação de vegetais em 10%, mas não tributava a importação de frutas. Assim, o governo quis coletar impostos da atacadista de Manhattan John Nix & Co, que importava tomate em grandes quantidades.
Em 1887, John Nix e sócios (familiares) moveram uma ação contra o então diretor da Alfândega no porto de Nova York, Edward Hedden, procurando “recuperar impostos pagos sob protestos” e parar de pagá-los. Seis anos mais tarde, o processo chegou à Suprema Corte (caso Nix v. Hedden).
Em sua defesa, os autores da ação citaram três dicionários (Webster’s, Worcester’s e Imperial) e apresentaram duas testemunhas especializadas, para provar que tomate é uma fruta. Os ministros não contestaram a botânica, mas decidiram que tomate é um vegetal assim mesmo. Existia uma lógica por trás da vegetalidade do tomate :
“Botanicamente falando, tomates são frutos de uma parreira, tais como pepinos, abóboras, feijão e ervilhas. Mas na linguagem comum das pessoas, sejam vendedores ou consumidores dos mantimentos, todos esses são vegetais, que crescem nas hortas e que, quer sejam cozidos ou crus, como batatas, cenouras, pastinacas, nabos, beterrabas, couve-flor, repolho, aipo e alface, são todos servidos no jantar ou depois da sopa com peixe ou carnes, o que constitui a parte principal da refeição e não como sobremesa como é o caso das frutas”.
“Tomates, tal como nozes, podem ser classificado como sementes [o fruto da planta], mas não no comércio e na linguagem popular. (...) Como um artigo de alimentação em nossas mesas, sejam assados ou cozidos ou formando a base da sopa, eles são usados como vegetais, maduros ou verdes. Esse é seu principal uso”.
Essa foi uma tese que, apesar de surpreendente por contrariar a botânica e os dicionários, coincidiu com a lógica popular. Dizia-se na época, a propósito da discussão na Justiça, que se tomate fosse uma fruta, estaria na feira e nos mercados entre as outras frutas, não entre os vegetais, como sempre está.
A decisão teve algumas repercussões na sociedade. Com base na decisão da corte, a alfândega, a Liga das Nações e o Departamento de Agricultura dos EUA classificaram o tomate como vegetal. Nova Jersey declarou o tomate o vegetal do estado. Mas não houve unanimidade. Por exemplo, Tennessee e Ohio declararam o tomate a fruta do estado.
Tal decisão poderia ser aceita em muitos países, no caso do tomate. Mas haveria controversas, se o objeto da discussão fosse o abacate. Nos EUA e em países hispânicos, o abacate pode ser visto como um vegetal. Afinal, com ele se fazer pratos salgados, muito apreciados nesses países, como o guacamole, o aguacate, saladas e salsas. Mas, no Brasil, abacate é mesmo uma fruta na botânica e no uso popular mais comum.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Fonte: Conjur
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