No artigo anterior (clique aqui), estudamos a tese da separação x tese da conexão entre direito e moral. Vimos basicamente que o positivismo abraça a tese da separação, enquanto o jusnaturalismo adota a tese da conexão ou da vinculação entre direito e moral.
Neste e nos próximos 3 artigos, passaremos em revista, sempre de forma objetiva e baseada nos principais autores modernos, as principais características de cada corrente da filosofia do direito. Veremos o positivismo jurídico, o jusnaturalismo, o realismo ou pragmatismo jurídico e, por fim, o neoconstitucionalismo, do qual já se disse ter partido de um modelo normativo (o constitucionalismo) e se transformado em uma teoria do direito.[i]
Mas, independentemente da versão adotada do positivismo jurídico, fala-se que essa corrente da filosofia do direito baseia-se em duas teses fundamentais: a tese da separação entre direito e moral e a tese das fontes sociais do direito (na literatura anglo-saxã, a separation thesis e a social thesis); já vimos no artigo anterior o que significa a tese da separação e, quanto à tese das fontes sociais, ela remete à ideia acima exposta, de que o direito emana de fontes sociais, como o Estado, e pode ser objetivamente delimitado.
Outra questão interessante envolvendo o positivismo jurídico é se ele alberga um “dever de obediência” às normas jurídicas. Alguns autores entendem que a resposta é negativa. Para Hart, por exemplo, com base na estrita separação entre direito e moral, poderíamos concluir diante da lei extremamente injusta: “isto é lei, mas é muito injusta para ser aplicada.”
Norberto Bobbio, por sua vez, entende que o positivismo jurídico pode ser de 3 tipos: i) um certo modo de abordar o estudo do direito; ii) uma certa teoria do direito e iii) uma certa ideologia do direito.[v] É no sentido de ideologia que o positivismo incluiria o dever de obediência, e Bobbio o rejeita nessa modalidade. Contudo, alguns autores modernos como Jeremy Waldron irão defender justamente que o positivismo não pode ser apenas uma teoria epistemológica do direito, mas deve incluir um elemento propriamente normativo, de que o direito “deve ser” mesmo identificado à lei, pois é melhor que seja assim: é o chamado positivismo ético ou normativo.[vi]
De se dizer ainda que o positivismo jurídico tem sido muito criticado e às vezes de forma imprecisa do ponto de vista teórico, como adverte Dimitri Dimoulis ao falar de “positivismo caricaturado”.[vii]
Por fim, aspecto extremamente importante é a relação entre positivismo e democracia. O positivismo alberga a preocupação com a democracia, de que o juiz atenha-se à lei, para não extrapolar suas funções e invadir a esfera do legislador. O jusnaturalismo teme a justo título que esse juiz positivista pratique injustiças no caso concreto, sob pretexto de aplicar a lei. Defende o juiz que, confrontado com “leis nazistas”, preferiria obedecer a uma moral humana. Mas Hoerster adverte contra o juiz que, confrontado com leis democráticas, como aquelas da República de Weimar, prefira obedecer a uma moral nazista.[viii]
[i] GARCÍA FIGUEROA, Alfonso. Ser o no ser normativo: um dilema para el positivismo jurídico. In: DIMOULIS, Dimitri ; DUARTE, Écio Oto (Coord.). Teoria do direito neoconstitucional: superação ou reconstrução do positivismo jurídico? São Paulo: Editora Método, 2008, p. 79-101.
[ii] AUSTIN, John. The Province of Jurisprudence Determined. Cambridge: Cambridge University Press, 1995.
[iii] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1997, 427 p.
[iv] HART, H.L.A. O conceito de direito. São Paulo: Martins Fontes, 2012, 399 p. Alexy parece acreditar que há boas razões para não se conceber a norma fundamental de maneira abstrata e, nesse caso, segundo ele, só restaria fundamentar a norma fundamental por meio de um conceito de validade sociológico ou ético. (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 61, nota de rodapé de nº 32)
[v] BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone Editora, 2006, p. 131-134.
[vi] WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. Oxford: Oxford University Press, 1999. Leitor Kindle, pp. 166/167.
[vii] DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-político. São Paulo: Método, 2006, p. 53.
[viii] Apud ALEXY, Robert. Conceito e validade do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 65.
Paulo Gustavo Guedes Fontes
Doutor em Direito do Estado. Mestre em Direito Público. Desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Professor de Direito Constitucional.
Fonte: Genjuridico.com.br/
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