quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Reflexões sobre a sustentação oral nos tribunais

No artigo publicado na edição de março do ano corrente, dediquei considerações ao tema da sustentação oral no particular ambiente do julgamento estendido, ora previsto pelo CPC/15. Mas, o exercício da advocacia – que, sem contar a experiência do estágio, já passou da casa dos trinta (30) anos – temperado por um breve exercício da judicatura – cerca de cinco (5) anos perante o Tribunal Regional Eleitoral, numa das vagas reservadas a juristas – leva-me, cada vez mais, a refletir de forma mais ampla e generalizada sobre essa que é, ou deveria ser, uma das mais relevantes manifestações de oralidade.

Talvez fosse melhor – quando menos, mais prudente – escrever sobre assunto menos espinhoso e com menor potencial para controvérsias. Ainda que nem sempre se reconheça, e talvez precisamente porque seja mais fácil evitar o assunto, é inegável a tensão – cordial ou nem tanto – que existe entre magistrados e advogados, nesse campo: uns querendo ser ouvidos, outros nem sempre tão abertos ou dispostos a ouvir. Mas, estou convencido de que se o assunto for abordado – tanto quanto possível – de forma técnica, serena e construtiva, talvez o resultado possa ser positivo e haja, por pouco que seja, contribuição para um diálogo mais franco entre profissionais que, afinal de contas, estão presumivelmente tentando fazer seu trabalho da melhor forma possível. Pensarmos que, de certa forma, estamos todos no mesmo barco e que todos temos uma parte de razão pode ajudar. Não será exatamente a “colaboração” de que trata o CPC, mas será, quando menos, uma forma de enxergar o fenômeno pelo ângulo do outro.

A primeira consideração – absolutamente imprescindível como antídoto para evitar qualquer má interpretação – é a de que generalizações são perigosas e potencialmente injustas, de um lado e de outro. Há bons e maus profissionais em qualquer campo de atuação profissional. Mais do que isso: há bons profissionais em dias não muito felizes e há maus profissionais que, ao menos ocasionalmente, redimem-se. Nesse particular, o grupo dos que querem falar é mais numeroso e, portanto, potencialmente sua atuação tende a ser mais onerosa – no contexto de volume de trabalho a realizar – sobre o grupo dos que precisam ouvir. Mas, em compensação, o grupo dos que devem ouvir detém o poder e isso é, em qualquer circunstância, um fator que aumenta sua responsabilidade. De todo modo e de volta ao ponto inicial: virtudes e defeitos que possam ser identificados nesse campo não podem ser dirigidos de forma indiscriminada, de parte a parte. Nesse, como em outros campos, acusar não costuma ser produtivo. O que não impede sejam feitas algumas constatações tomadas da experiência, repita-se, com o objetivo de melhorar o diálogo entre quem precisa de alguma forma trabalhar junto. Eis alguns dos pontos que me ocorrem, neste limitado espaço:

a) A sustentação oral frequentemente é precedida da entrega de memoriais ao relator ou integrantes do órgão julgador, suposto que eles estejam abertos a tanto – o que precisa ser dito porque há uma minoria que, infelizmente, simplesmente se recusa a receber advogados, que diz não ter disponibilidade para tanto, que cria desculpas e embaraços dos mais variados. Então, realmente o advogado precisa atentar para o fato de que, se já tiver sido recebido, a sustentação pode significar uma indevida redundância que, forçoso reconhecer, tende a ser improdutiva. Contudo, a situação pode ser mais complexa do que possa parecer à primeira vista: pode ocorrer que o advogado tenha tido acesso ao relator, mas que não aos demais integrantes do colegiado; pode ocorrer que o advogado ex adverso não tenha levado memoriais e que vá sustentar; pode ocorrer que o advogado que tenha conseguido ser recebido não seja exatamente aquele que vai sustentar, e por aí afora. Portanto, se de um lado é preciso a consciência dos Advogados de que a repetição pode ser contraproducente e, portanto, deve ser evitada; de outro lado, é preciso alguma margem de tolerância por parte dos julgadores para situações como essas e outras análogas, em que não será desarrazoado admitir a concomitância da oralidade, no gabinete e em sessão de julgamento.

b) A oralidade deveria ser um eficaz instrumento do contraditório. Mais do que se escreve, o que se possa dizer de forma objetiva, concatenada e consistente tende a produzir melhor efeito, especialmente num contexto de profissionais com grande carga de trabalho. Sendo assim, procede a ojeriza que julgadores têm quanto à mera leitura de texto adrede preparado. De outra parte, num mundo ideal, a sustentação poderia ser de alguma forma dirigida pelos julgadores para os pontos que efetivamente entendem relevantes (suposto que haja diferentes questões levantadas no caso). Isso tornaria a sustentação mais produtiva e a sugestão, para além de se afeiçoar ao espírito das regras dos artigos 9º e 10 do CPC, encontra correspondência na experiência do que já vi e do que já me foi relatado em Cortes de outros países (para não falar na arbitragem).

c) Uma variação do que foi aventado no tópico precedente está na dispensa da sustentação quando o Advogado que se habilita defende tese encampada pelo voto do relator, que de antemão saiba não haver divergência por parte dos demais integrantes da turma julgadora – o que é lícito, na medida em que possível o prévio envio dos votos. Tecnicamente, não há o que refutar: se o resultado prestes a ser anunciado corresponde à totalidade do ganho que a parte poderia esperar, o exercício do contraditório, via oralidade, realmente se torna inócuo e é dispensável. Não há aí qualquer desdouro para o Advogado e, até pelo contrário, é de se presumir que a vitória se deveu ao bom trabalho que realizou até aquele momento (com ou sem a entrega prévia de memoriais). Apenas é preciso cuidado porque nem sempre o resultado favorável a quem quer sustentar é o mais completo possível: o tribunal pode prover o recurso, por exemplo, para anular a sentença, mas a parte poderia insistir em julgamento favorável pelo mérito, sendo a anulação apenas subsidiária (e não um antecedente lógico). Pode haver relevantes discussões sobre capítulos acessórios (honorários, por exemplo) e o Advogado deve, então, ficar atento a tais aspectos, sem que isso, nas circunstâncias, possa soar como uma espécie de “abuso da sorte”...

d) O êxito de uma sustentação – sem propriamente pensar em sua vinculação a um resultado favorável quanto ao mérito do recurso – depende do quê, como e em quanto tempo se diga o que precisa ser dito. Assim, objetividade e clareza são indispensáveis, mas provavelmente o mais eficaz seja tentar demonstrar de que forma, naquele caso, a solução preconizada é a mais adequada ao Direito e, portanto, é a mais justa. Ninguém duvida do peso que a jurisprudência tem na formação do convencimento, mas extensas referências a outros julgados, naquele momento, tende a não ser produtiva. Nesse ponto, convém que o Advogado tenha uma boa dose de consciência sobre até que ponto tais ou quais questões de direito já são sobejamente conhecidas do órgão perante o qual sustenta. Para qualquer ser humano é potencialmente enfadonho ouvir considerações que se supõe sejam uma novidade, quando já são mais do que conhecidas. E, quanto ao tempo, equilíbrio e ponderação de parte a parte são desejáveis. O desafio de quem fala é ser objetivo, sem ser apressado porque o atropelo pode prejudicar a comunicação. Para quem ouve, a recomendação inicial e geral que às vezes se ouve da Presidência do órgão – exortando advogados a serem breves diante do volume de trabalho que existe – pode até ser feita. Mas, nesse caso, coerência é sinônimo de respeito e, portanto, para quem se preocupa com o tempo dos outros, começar a sessão de forma pontual, por exemplo, é fundamental.

por Flávio Luiz Yarshell - Advogado. Professor Titular do Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade São Paulo.

Fonte: Carta Forense

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