Savigny foi um dos mais importantes juristas alemães do século XIX e responsável pela entrada, na linguagem, do termo “pessoa jurídica” em sua obra denominada “Sistema do direito romano atual” de 1840 (SAVIGNY, System des heutigen romisschen Rechts (atual sistema romano da legislação da União Européia), de 1840, traduzido a partir do original em alemão por SCIALOJA, Turim, 1886, Volume 8.)
O jurista alemão von Savigny era fiel ao princípio do Código Hermogeniano de 294 d.c. “Hominum causa omne jus esse consituitum”, realizando a análise sobre o tema através de dois aspectos separados e distintos do fenômeno da pessoa jurídica que estava sendo estudado: primeiramente realizava uma análise sobre os acontecimentos de experiência real e sobre acontecimentos de natureza apenas normativa, pois, para Savigny, de acordo com o que se apresentasse nas experiências reais, a pessoa era classificada como física ou jurídica.
Os legisladores, naquela época, para satisfazer os requisitos essenciais da realidade contingente e, em particular, o direito comercial, fingiam que existia algum tipo de ente artificial, como se fosse real, e com titularidade de direitos e deveres.
A este ente fictício Savigny deu o nome de “pessoa jurídica”, primeiramente considerada como “ser humano”, com direitos e deveres, e, em segundo lugar, como um tipo de acordo ou criação legal usada exclusivamente para alguns propósitos específicos e necessários, tendo sua criação induzida pelos legisladores.
No pensamento de von Savigny a aceitação da noção de pessoa jurídica na linguagem legislativa encontra sua justificação teórica completa na ficção doutrinária “ficto iuris”, destinada aos acontecimentos diários. A pessoa jurídica é uma ficção dos legisladores criada para representar alguma situação ou necessidade não definível, porque lhe faltava uma reflexão prática em relação aos acontecimentos realísticos.
No entanto, esta metáfora de linguagem permitiu a entrada no sistema jurídico de um novo instituto concebido para representar algo diferente do “homem”, ou seja, um ente fictício. Algo que, para os romanos, nada mais era do que um modo de ser destes mesmos seres humanos.
É interessante acrescentar que, nos trabalhos preparatórios que deram origem ao Código Civil italiano de 1865, o qual fora publicado simultaneamente com os estudos de Savigny, houve uma forte influência da referida teoria defendida pelo estudioso alemão, principalmente em seu artigo 2o. “I comuni, le provincie, gli stituti pubblici civili ed ecclesiastici ed in genere tutti i corpi morali legalmente riconosciuti sono considerati come persone, e godono dei diritti civili secondo la legge (…)”( Código Civil Italiano de 1865 ).
A noção de pessoa reconhecida no artigo citado se refere ao sentido “substancial” do homem e não ao sentido de gênero formal duplamente entendido em pessoa física e pessoa jurídica, pois, como já afirmamos, era para ser entendida no sentido de “homem substancial” e não naquele sentido de gênero formal, que compreendia a dúplice espécie de pessoa física e pessoa jurídica, que, inclusive, será utilizado também pelo legislador italiano no Código Civil de 1942.
Em plena sintonia com o ideal de individualismo daqueles anos, o homem serve de parâmetro na relação com os corpos morais legalmente reconhecidos, estendendo, assim, uma importância jurídica que poderia corresponder às mesmas dos seres humanos, porém, não seriam exatamente as mesmas destes, porque o homem fora definido como sujeito de direito por natureza e a pessoa jurídica, como um sujeito de direito, através da lei.
É importante descrever algumas palavras do jurista Scalfi que demarcam a importância destes entendimentos levados em consideração naquela época, através dos efeitos que a noção de pessoa jurídica produziu sobre o modo de entender os problemas concretos das organizações coletivas: “ Il cammino compiuto dalla speculazione filosofica e dalla coscienza che condusse per successivi gradi all’auto-coscienza, procurò che l’uomo, sperimentandosi nelle sue qualità creative e segnatamente nell’attività pensante, divenisse il punto di riferimento del diritto.”. Segundo o pensamento do ilustre jurista, a pessoa, no sentido de ser humano, e sujeito de direito, que seria a pessoa jurídica, tornaram-se sinônimos, porque somente o homem era reconhecido como detentor de direitos: “Persona e soggetto di diritto divennero sinonimi. Solo l’uomo è riconosciuto capace di diritto”.(..)Da qui (…) la riduzione di questi ‘corpi particolari’ a mere figure di diritto privato; da qui la negazione della loro esistenza reale (unico essere reali considerandosi l’individuo); da qui la subordinazione di ogni loro rilevanza giuridica al riconoscimento e all’autorità dello Stato; da qui in molti casi la loro soppressione o la revoca dei loro privilegi”(SCALFI, L’idea di persona giuridica e le formazioni sociali titolari di rapporti nel diritto privato, Milão, 1968, pág. 24 e segs.).
Podemos observar também, na obra de Giorgianni, que o autor menciona os dois aspectos salientes do direito privado daquela época, que eram o caráter constitucional sobre a prioridade dada ao direito privado como um estatuto que regeria a vida dos privados, e, com isto, a sua enorme variedade subjetivista, e também afirmava que a maior atenção dada às atividades dos indivíduos no âmbito da vida econômica trouxe a supressão de qualquer relevância jurídica às chamadas “comunidades intermediárias”. (GIORGIANNI, Il diritto privato e i suoi attuali confini, em Studi Temolo, Milão, 1962, pág.15 e segs.)
As relações entre as organizações estatais intermediárias e o Estado eram um assunto de grande interesse no sentido histórico e também jurídico, naquela época, tanto que fora muito estudado pelo jurista italiano Verrucoli em sua obra denominada “Il superamento della personalità giuridica delle società di capitali nella commonn law e nella civil Law”, publicada em 1964 (VERRUCOLI, Il superamento della personalità giuridica delle società di capitali nella commonn law e nella civil law, Milão, 1964).
A referida Teoria da Ficção, criada pelo jurista e filósofo alemão Friedrich Carl von Savigny, como afirmam importantes estudiosos sobre o tema, constituiu, sem sombra de dúvidas, uma importante contribuição para a interpretação do conceito da pessoa jurídica.
Com atenção aos pressupostos ideológicos de Savigny, Orestano escreveu em sua obra denominada “O problema das pessoas jurídicas no direito romano”, que a “fictio” era um instrumento técnico, do qual dispunham somente os legisladores, e que somente haveria valor enquanto fosse utilizada por estes: “l’avere degradato la personalità degli enti diversi dall’uomo a mera ‘finzione’ servì al Savigny per ribadire il concetto che l’intero sistema giuridico fosse da costruire in funzione del’individuo e dei suoi diritti, perché era appunto all’individuo che venivano assimilate attraverso un procedimento di ‘finzione’ queste figure di cui il diritto positivo poteva servirsi in vista di particolari scopi a suo arbitrio” (ORESTANO, Il Problema delle persone giuridiche in diritto romano, pág. 20 e segs.).
Neste mesmo sentido, o jurista italiano Scalfi afirma que: “alla formazione di questa teoria hanno contribuito in maniera indubbia gli ideali individualistici del secolo XVII, di cui sotto questo aspetto lo stesso Savigny, nella complessità dei motivi ispiranti il suo pensiero, si faceva per più versi portatore; ‘persona giuridica’ (…) fu riproposta come finzione.” ( SCALFI, “L’idea di persona giuridica e le formazioni sociali titolari di rapporti nel diritto privato”, Milão, 1968, pág.15 e segs.).
Refere-se também Scalfi à criação da pessoa jurídica como uma ficção do ordenamento jurídico e, consequentemente, do Estado, para objetivos muito específicos, porém, na mesma medida, muito necessários: “ Non più e non tanto come creazione del pensiero dei giuristi ma come creazione dell’ordinamento giuridico e dello stato (se si vuole impiegare la dizione ottocentesca) così come i diritti naturali dell’uomo divennero via via diritti riconosciuti dallo stato, cioè diritti derivati” (SCALFI, sob o título “Persone Giuridiche (Diritto civile)”, em Enciclopédia Jurídica, Roma, 1990).
Os estudos de Friedrich Carl von Savigny tiveram muita influência no direito alemão, uma vez que foram o mais destacados na Escola Histórica do Direito, que fora uma corrente filosófica e jurídica desenvolvida primeiramente na Alemanha, durante o início do século XIX, e ensinava que as normas eram o resultado da evolução histórica, e que a sua essência estaria nos diferentes costumes dos grupos sociais, em rígida oposição ao jusnaturalismo iluminista, que considerava o Direito uma ciência independente do tempo e do espaço, cujas bases seriam a razão e a natureza das coisas.
Portanto, um papel decisivo no enquadramento dogmático da pessoa jurídica tem sido feito pela doutrina alemã, cujos estudos são a base das principais teorias desenvolvidas sobre este tema. Destaca-se a mais importante delas neste sentido, que é chamada Teoria da Ficção, elaborada na primeira metade do século XIX, segundo a qual as pessoas jurídicas seriam entidades inanimadas, meras abstrações que não poderiam ser percebidas com os sentidos.
A instituição pessoa jurídica, sendo naturalmente desprovida de capacidade de discernimento, portanto, da consciência moral, poderia obviamente receber reconhecimento do ordenamento jurídico e civil, apenas por uma ficção, que lhe permitisse tornar-se proprietária de direitos e poderes legais.
Portanto, observamos que fora muito significativa, neste contexto, a fórmula escolhida pelo Código Civil italiano de 1865 que, ao seguir as linhas da doutrina alemã, afirmava em seu artigo 2o. que esses entes fictícios denominados “corpos morais legalmente constituídos” eram considerados como “pessoas” com direitos civis segundo a lei.
O que podemos concluir é que a pessoa jurídica fora criada, amplamente e profundamente estudada, no caso de determinadas situações problemáticas que surgiam com o tempo, em relação as quais o homem, como pessoa física, não seria capaz de uma representatividade completa, ou seja, a pessoa jurídica fora criada para resolver questões para as quais os legisladores, estudiosos e juristas não tinham respostas. É o que ainda vemos acontecer nos dias atuais, pois os juristas, algumas vezes, são forçados a desenvolver e elaborar estudos, pesquisas e projetos que sejam capazes de criar uma resposta à, pelo menos, grande maioria das demandas da sociedade.
por: Vanessa Massaro. Doutora (PhD) em Direito pela Università degli Studi di Torino Turim – Itália.Doutorado em Direito, Pessoa e Mercado. Pesquisadora na área do Direito Privado pela Università degli Studi di Torino – Campus CLE. Participação em 2014 e 2015 no Doutorado Organizado pela União Europeia – Erasmus Mundus e no Doutorado em Direito na Università Degli Studi di Milano. Milão – Itália.Advogada especialista em Direito Empresarial. Membro do Instituto dos Advogados do Paraná – IAPPR. Curso de aperfeiçoamento em Comparative Private Low na Università Uninettuno-Roma. Curso de Aperfeiçoamento em Direito dos Mercados Financeiros pela Università degli Studi di Milano.Milão – Itália. Pós-graduação em Direito pelo Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos. Formada pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Fonte: Jurisite
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