sexta-feira, 13 de outubro de 2017

As três Instâncias de Responsabilidade Jurídica Clássica e a Constitucional Autonomia da Improbidade Administrativa

Prevalece na Doutrina e na Jurisprudência Clássica três instâncias de responsabilidade jurídica contempladas na CF/88, quais sejam: Civil, Criminal e Administrativa. A Responsabilidade Civil, disciplina as situações jurídicas de Direito Privado, enquanto teoria geral de responsabilidade ao decompor os elementos que devem ser considerados em qualquer situação jurídica que envolva a possibilidade de responsabilização de um sujeito: comportamento (objetivo ou subjetivo, por dolo ou culpa), nexo causal e dano. A Responsabilidade Criminal erige-se com o Direito Penal e reconhece-se nela uma estrutura metodológica independente na qual se enfatiza a tipicidade dos comportamentos que podem levar às penas (privativa de liberdade, restritiva de direitos e de multa). A Responsabilidade Administrativa refere-se às situações jurídico-administrativas, vínculos entre o cidadão e o Estado, ora em relação de sujeição geral (todos e quaisquer cidadãos encontram-se indistinta e potencialmente submetidos à situação jurídica disciplinada em lei, a exemplo do Código de Trânsito Brasileiro e de suas regras sobre a condução de veículos com as respectivas infrações e consequentes sanções administrativas), ora em relação de sujeição especial (vínculos nos quais apenas alguns cidadãos submetem-se, espontânea ou forçosamente, a exemplo do estatuto jurídico de certa categoria de servidores públicos, ou o regimento interno de uma universidade pública, ou de um hospital público ou mesmo as normas que regem a rotina dentro de uma unidade prisional).

Vale citar que, correlato ao tema da responsabilidade jurídica e às suas espécies há o direito sancionador, que é a sistematização de conceitos, institutos, categorias, de um regime jurídico próprio de estipulação das infrações (tipos infracionais) e respectivas sanções (penas). No Direito Civil, perquire-se, p. Ex., se o dano moral tem natureza jurídica de “pena”, quais são os limites possíveis, no âmbito da responsabilidade contratual, à previsão (tipificação) de infrações contratuais, e etc. Igualmente no Direito Penal, desenvolvem-se elaboradas teorias sobre a descrição de fatos-tipos e suas consequentes sanções. No Direito Administrativo, por sua vez, há alguns anos assomou-se o direito sancionador num capítulo independente de modo a ser possível melhor compreendê-lo e sistematizá-lo nas relações de Direito Público e, não obstante alguma pontual divergência existente, a doutrina em geral sustenta que um elemento indispensável à qualificação de infrações e sanções administrativas remete-se ao sujeito que age, a Administração Pública. Em outros termos, trata-se de infrações e sanções administrativas se é a própria Administração Pública no exercício de função administrativa quem atua.

Nessa esteira percebe-se alguma dificuldade em identificar-se qual área do Direito deve-se ajustar a responsabilidade do agente público que comete atos de Improbidade Administrativa, pois se evidencia a inadequação de se afirmar que poderia ser a Responsabilidade Civil na medida em que a pessoa, eventualmente responsabilizada não age em nome próprio, atuando em cumprimento de uma missão pública porque é investido em competências previstas em lei à satisfação do interesse público. Do mesmo modo, seria inapropriado se indistintamente fosse aplicado o Direito Penal a situações que não encontram compatibilidade com a descrição de crimes. Por último, há dificuldade de simplesmente afirmar que a responsabilidade por Improbidade Administrativa é mera categoria jurídica do Direito Administrativo sancionador porque reconhece-se por infração e sanção administrativa aquelas que são apuradas e aplicadas no exercício de função administrativa, e não, tal como ocorre com a Improbidade Administrativa, em processo judicial.

Cabe-se ressaltar que, o desconforto inicial na própria alocação da Teoria da Improbidade Administrativa (se Responsabilidade Civil, Criminal ou Administrativa) remete-nos além das assertivas tradicionais sobre as três instâncias de responsabilidade jurídica de modo a fazer perceber que a inequívoca matriz das esferas de responsabilização não pode ser outra a não ser a própria Constituição Federal, pois dela partimos para realçar que entendemos que na contemporaneidade, diante então da realidade jurídico-positiva que se apresenta é insuficiente a reprodução da clássica divisão em apenas três responsabilidades jurídico-constitucionais. Isto porque a Responsabilidade por Improbidade Administrativa, em leitura tópica e sistemática da Constituição Federal, encontra sua própria autonomia. Neste sentido, na doutrina, José Roberto Pimenta Oliveira expressamente defende que a Improbidade Administrativa enquanto esfera de responsabilidade jurídica apresenta inequívoca autonomia constitucional, o que em tudo se reflete na forma de tratamento do tema ao se aplicar a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92).

Ademais, a tipificação dos atos de Improbidade Administrativa não ocorre nos moldes do Direito Penal, pois a estrita tipicidade exigida (a descrição minudente do fato apto a qualificar-se como tipo penal) não poderia sequer ser logicamente exigível diante de tão múltiplas e diversificadas formas de expressar-se a função administrativa, portanto, apesar de críticas que são feitas, a respeito do excesso de abertura e da ambiguidade de alguns atos de Improbidade Administrativa, não seria correto exigir que houvesse, a exemplo do crime, o mesmo detalhamento do comportamento fático passível de tipicidade; e, na condução do processo judicial que apura a eventual ocorrência de atos de Improbidade Administrativa, não obstante a indispensável aferição dos elementos subjetivos (dolo e culpa – esta última quando admitida pelo tipo infracional, o que ocorre com o art. 10 da Lei 8.429/92), a identificação do ilícito administrativo em si, em particular do desvio de finalidade, afere-se objetivamente, pois o descompasso da prática do ato é conclusão que se encontra por sua desconformidade não com o móvel íntimo do sujeito, mas com o que o ordenamento jurídico dispõe enquanto comportamento exigido.

Cumpre-se trazer à baila que de acordo com o dicionário de vocabulário jurídico de De Plácido e Silva, “probo” e “probidade” advêm do latim probus, probitas: o que é reto, leal, justo, honesto, mas se refere também à maneira criteriosa de proceder. Derivado de improbitas significa também má qualidade, imoralidade, malícia, desonestidade, má fama, incorreção, má conduta, má índole, mau caráter. “Ímprobo”, ainda segundo este dicionário, é o mau, perverso, corrupto, devasso, desonesto, falso, enganador. Do dicionário etimológico da língua portuguesa de Antônio Geraldo da Cunha “probo” refere-se a quem apresenta caráter íntegro, o que significa dizer, em sentido inverso, que ímprobo é quem falta com a integridade. Improbidade administrativa, enfim, define-se como o comportamento que viola a honestidade e a lealdade esperadas no trato da coisa púbica, seja na condição de agente público ou de parceiro privado. Improbidade administrativa representa a desconsideração da lealdade objetivamente assumida por quem lida com bens e poderes cujo titular último é o povo.

Tais premissas e conceitos sempre foram de suma importância mas nos dias atuais ganhou maior relevância, já que a Organização das Nações Unidas (ONU) apontou que o Brasil perde cerca de R$ 200 bilhões com esquemas de corrupção por ano, e segundo o Procurador Federal Paulo Roberto Galvão, que faz parte da Operação Lava-Jato: “Somente no caso da Petrobras, os desvios de recursos de forma ilegal envolvem entre R$ 30 bilhões e R$ 40 bilhões, o que consta inclusive de um estudo da Polícia Federal”. De acordo com um estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), elaborado em 2012, projetou-se que entre 1,38% e 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) se perdiam entre ações corruptas no país.

Diante de todo o exposto, podemos concluir que, o artigo 1º da Lei número 8.429 de 1992, ao estender a qualificação do ato de Improbidade Administrativa a qualquer agente público que aja contra o patrimônio público em seu sentido amplo, prestigiou o princípio republicano, em prol da moralidade administrativa e outros valores consagrados constitucionalmente como indispensáveis ao interesse da coletividade e respeito ao povo enquanto titular do poder. O art. 2º da Lei 8.429/92 evidencia o sentido amplo de agente público nos termos expostos acima de modo a abarcar não apenas os servidores estatais (titulares de cargos públicos e empregos públicos), mas ainda os agentes públicos e mesmo os particulares em colaboração com o Estado. O art. 3º da Lei 8.429/92 expande a responsabilização a qualquer sujeito que “(…) induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (…)”, o que ainda abarca, além de alguém em simples conluio com um agente público, qualquer outra pessoa que se valha de recursos públicos (capital, bens ou a simples cessão de servidores), tal qual acontece com as entidades do denominado Terceiro Setor.

Em suma, além dos agentes públicos qualquer outra pessoa, a qual título for, que com o Estado estabeleça um vínculo no qual lhe seja disponibilizado recursos financeiros ou o uso privativo de bens públicos (a exemplo da concessão de uso de bem público), ou mesmo servidores públicos lhe sejam cedidos (como pode acontecer com as Organizações Sociais), pode responder por improbidade administrativa, mas desde que se encontre em concurso (por induzir, concorrer ou se beneficiar do ato de improbidade administrativa) com um agente público; portanto, convênios e consórcios, ou as entidades do denominado Terceiro Setor (Organizações Sociais e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público), em qualquer relação jurídica com o Estado, apresente o vínculo um caráter negocial, ou seja, considerado mero ajuste de interesses, pouco importa o título jurídico que qualifique a parceria, sempre que se fizer presente a fruição de recursos públicos, todos os envolvidos, são igualmente responsáveis pela gestão dos bens e valores republicanos.

por: Caio Rivas. Advogado membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP (6ºTED). Pós-Graduado em Direito Penal, em Processo Penal e em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Damásio, Pós Graduado em Direito Internacional Ambiental pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), Bacharel em Direito pela FMU. Possui Habilitação para o Magistério Superior (nota 10 na disciplina Didática do Ensino Superior). Certificado por mais de 100 Cursos de Extensão e Atualização pela USP, FGV, Puc-Minas, Complexo Educacional Renato Saraiva (CERS), Instituto do Direito Brasileiro (ILB), Instituto do Direito Paulista (ILP), Escola do Parlamento e Escola Superior da Advocacia (ESA), Instituto Reinaldo Polito (ILP) e Associação dos Delegados de Polícia Federal (ADPF).

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