Nesses últimos anos, membros da sociedade civil, como os produtores, os trabalhadores, os profissionais autônomos, os estudantes e outros, passaram a se manifestar intensamente contra uma política de governo, um projeto de lei, os aumentos de preços de passagens de ônibus e até uma política salarial, com manifestações nas ruas, ocupações de escolas e bloqueios e paralisações em rodovias etc.
Esses movimentos sociais e reivindicatórios vêem se intensificando em diversos grupos da sociedade civil, com parcelas de apoio e outras de oposição.
Com isso, passou a usar os termos “greve geral” e lockout para se referir a esses movimentos sociais.
Historicamente, os trabalhadores e até mesmo os empregadores têm utilizado diversos meios visando pressionar a parte contrária a ceder ou negociar nas relações de trabalho (denominados meios de pressão).[1]
A doutrina aponta diversos meios, sendo os mais conhecidos: sabotagem, boicote, ratting, listas negras, trabalho arbitrário, greve, lockout etc.
A sabotagem consiste na destruição de máquinas, matérias-primas e outros instrumentos de trabalho da empresa, por parte dos trabalhadores.
Já o boicote representa “a oposição ou obstrução ao negócio do empregador, a falta de cooperação, vocábulo que devemos a James Boycott, nome de um latifundiário da Irlanda, da metade do século XVIII, que teve de abandonar a cidade onde morava, porque os trabalhadores se recusaram a colaborar com ele, criando uma situação insustentável para os seus negócios; a sabotagem, destruição ou inutilização de máquinas ou mercadorias pelos trabalhadores, protesto violento, contra o empregador, para danificar seus bens; piquetes, forma de pressão para dissuadir os recalcitrantes que não querem participar da greve, enquanto pacíficos, admitidos, quando violentos, proibidos pelo direito sindical”.[2]
Enquanto ratting, do termo inglês to ratten, significa “privar de ferramentas os trabalhadores, com o objetivo de que as tarefas não sejam desenvolvidas normalmente”.[3]
As listas negras de trabalhadores são feitas pelos empregadores e são encaminhadas a outros empregadores, como forma de troca de informações sobre trabalhadores e de seu comportamento no ambiente de trabalho, as quais são utilizadas no momento da contratação (discriminação). Informações, como, por exemplo, se promove ação trabalhista, organiza grupos de reivindicação etc.
Mencionado por Alfredo J. Ruprecht,[4] o trabalho arbitrário seria uma greve “ao contrário”, ou seja, “os trabalhadores agem contra a vontade do empresário e a seguir reclamam o pagamento do salário correspondente à tarefa efetuada”.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem analisado a questão da greve em vários países, sob os mais diversos ângulos e realidades sociais, políticas e econômicas distintas.[5]
Em 1952, na 2a Reunião, o Comitê de Liberdade Sindical reconheceu o direito de greve, como meio legítimo fundamental que dispõem os trabalhadores e suas organizações para promover e defender seus interesses econômicos e sociais. Não se trata de mero fato social e sim de um direito.
O Comitê de Liberdade Sindical tem adotado um critério restritivo para limitar as categorias de trabalhadores que podem ser privados desse direito e quanto às limitações legais para seu exercício. E ainda tem vinculado o exercício do direito de greve à finalidade de promoção e defesa dos interesses econômicos e sociais dos trabalhadores, sendo que o correto exercício do direito de greve não deve ensejar sanções, o que configura atos de discriminação antissindical.
O Comitê de Liberdade Sindical admite outras figuras (greve atípicas), como greve de ocupação, de ritmo lento, de zelo e de solidariedade, desde que revistam caráter pacífico.
Segundo a OIT, as reivindicações da greve se agrupam em: (a) natureza trabalhista, quando buscam garantir ou melhorar as condições de trabalho e da vida dos trabalhadores; (b) natureza sindical, quando visam garantir e desenvolver os direitos das organizações sindicais e seus dirigentes; (c) natureza política.
Contudo, se ressalva que as organizações sindicais evitem que suas reivindicações assumam um aspecto claramente político. A Comissão de Experts considera que as greves de natureza puramente política não estão cobertas pelos princípios da liberdade sindical.
Em relação aos trabalhadores que podem ter restrições ao direito de greve, a visão da OIT é restritiva, admitindo a exclusão das forças armadas e polícia, dos funcionários públicos que exerçam funções de autoridade em nome do Estado, serviços essenciais (relacionados ao perigo à vida, à segurança e à saúde), desde que desfrutem de uma proteção compensatória. Também se admitem restrições durante períodos de crise nacional grave, como conflitos armados, catástrofes naturais etc.
De maneira geral, existe uma série de condições ou requisitos para a licitude da greve, sendo que as mesmas devem ser razoáveis e não devem constituir limitações importantes à possibilidade de ação das organizações sindicais. O Comitê de Liberdade Sindical considera aceitável: (a) obrigação de pré-aviso; (b) obrigação de recorrer a procedimentos extrajudiciais de solução de conflitos, como condição prévia a declaração da greve; (c) quórum mínimo e razoável para deliberação da greve; (d) votação secreta; (e) adoção de medidas para respeitar os regulamentos de segurança e prevenção de acidentes; (f) manutenção de serviços mínimos em casos de serviços essenciais, daqueles que possam gerar um crise nacional grave de serviços públicos transcendentais; (g) a garantia de liberdade de trabalho para os não grevistas.
A análise dos aspectos de legalidade do movimento paredista deve ser atribuída a um órgão independente das partes e de sua confiança. Segundo o Comitê de Liberdade Sindical, tal análise não deve ser feita pelo governo ou autoridades administrativas.
Segundo o Comitê de Liberdade Sindical, a proibição de realização de greves por motivo de reconhecimento (para negociar coletivamente) não está em conformidade com os princípios da liberdade sindical, por outro lado, o próprio Comitê tem aceito disposições que proíbem as greves que impliquem uma ruptura de um acordo ou convenção coletiva (restrição temporal). Também declarou que desde que a solução de um conflito de direitos resultante de uma diferente interpretação de uma lei devesse incumbir aos tribunais competentes, a proibição de greves em tal situação não constitui uma violação à liberdade sindical.
No ordenamento jurídico nacional, a greve é um direito reconhecido e decorre da liberdade do trabalho, mas não de cunho irrestrito, podendo haver a punição quanto aos excessos, além do que encontra restrições quanto aos serviços ou atividades essenciais. É um direito social, de índole constitucional, mas não de forma absoluta (art. 9o, CF).
O LOCKOUT
O lockout, também conhecido como cierro patronal, contrahuelga,[6] helga patronal[7] ou ainda serrata,[8] ocorre quando “o empregador fecha unilateralmente o estabelecimento ou, ainda, sem fazê-lo, deixa de aceitar o trabalho oferecido por seus empregados.”[9]
Pode ser entendida como “uma ação concentrada e coletiva dos patrões, tendente a negar trabalho a seus empregados, com caráter temporário e com fins de defesa – em sentido amplo – de seus interesses.”[10]
Em outras palavras, “é uma decisão unilateral do empregador, tendente a excluir temporariamente os trabalhadores da empresa e visando a paralisação total ou parcial desta, no âmbito de um conflito coletivo”.[11]
Como meio de pressão contra os trabalhadores, costuma-se falar em duas espécies de lockout, o primeiro, o lockout agressivo que ocorre quando empregador tem a iniciativa do conflito ou usa essa forma de pressão de forma abusiva, enquanto, no defensivo, o empregador fecha o estabelecimento, como forma de evitar uma ocupação por parte dos trabalhadores (“contragreve”).
Diferentemente da greve, o lockout não é admitido em diversos sistemas jurídicos, como o italiano, o português, o uruguaio e o argentino.
No Brasil, a Lei de Greve proíbe expressamente “a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados (lockout).” Além disso, em caso de paralisação por parte do empregador, é assegurado aos trabalhadores o direito à percepção dos salários durante o período de paralisação (art. 17, Lei 7.883/89).
Além disso, o Código Penal brasileiro considera crime contra a liberdade ao trabalho, constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça: (a) a exercer ou não exercer arte, ofício, profissão ou indústria, ou a trabalhar ou não trabalhar durante certo período ou em determinados dias; (b) a abrir ou fechar o seu estabelecimento de trabalho, ou a participar de parede ou paralisação de atividade econômica (art. 197).
Certo é que a “paralisação das atividades empresariais” por parte dos empregadores ou dos trabalhadores autônomos não pode ser considerado “greve dos empregadores” ou mesmo um “lockout típico”, vez que o mesmo não se volta contra os trabalhadores (sujeitos das relações de emprego), mas sim contra o Estado ou uma política econômica ou social.
OS MOVIMENTOS REIVINDICATÓRIOS: SOCIAIS E ECONÔMICOS
Assim, as manifestações sociais e econômicas de diversos grupos podem ser consideradas uma “greve política” ou um “lockout político”, se a totalidade ou parte expressiva das reivindicações estiverem diretamente ligadas à melhoria das condições de trabalho (entre empregadores e empregados diretamente ou representados pelas entidades sindicais), ou estamos vivenciamos o exercício do direito fundamental de manifestação e liberdade de expressão.
[1] JORGE NETO, Francisco Ferreira. CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 8ª ed., 2015, p. 1.400.
[2] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de direito sindical. São Paulo: LTr, 3ª ed., p. 26-27.
[3] RUPRECHT, Alfredo J. Relações coletivas de trabalho. São Paulo: LTr: São Paulo, 1995, revisão técnica Irany Ferrari, p. 860.
[4] RUPRECHT, Alfredo J. Ob. cit., p. 861.
[5] GERNIGON, Bernard; ODERO, Alberto; GUIDO, Horacio. Principio de la OIT sobre el Derecho de Huelga. Genebra: Oficina Internacional del Trabajo, 1998.
[6] ETALA, Carlos Alberto. Derecho colectivo del trabajo. Buenos Aires: Editorial Astrea, 2002, p. 389.
[7] RODRÍGUEZ, Américo Plá. Curso de derecho laboral. Conflictos colectivos. v.2. Montevideo: Editorial IDEA, 2001, p. 110.
[8] CARINCI, Franco; TAMAJO, Raffaele de Luca; TOSI, Paolo; TREU, Tiziano. Diritto del lavoro. Il diritto sindicale. v.1. Torino: UTET, 5ª ed., 2011, p. 265,
[9] CASTILHO, Santiago Perez do. O direito de greve. São Paulo: LTr, 1994, revisão técnica Irany Ferrari, p. 251.
[10] RUPRECHT, Alfredo J. Ob. cit., p. 868.
[11] RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Tratado de Direito do Trabalho. Situações laborais colectivas. Lisboa: Almedina, 2ª ed., 2015, p. 525.
Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante
é Doutorando em Direito do Trabalho pela USP. Mestre em Direito Político e Econômico pelo Mackenzie. Mestre em Integração da América Latina pela USP/PROLAM. Professor. Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Autor.
Francisco Ferreira Jorge Neto
é Mestre em Direito das Relações Sociais – Direito do Trabalho pela PUC/SP. Desembargador Federal do Trabalho do TRT da 2ª Região. Professor Convidado: Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Escola Paulista de Direito. Autor.
Fonte: Genjuridico.com.br/
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