quinta-feira, 7 de junho de 2018

A nova Lei de Introdução é Análise Econômica do Direito?

Uma alteração recente na legislação influenciará a partir de agora decisões tributárias e administrativas que acarretam impactos consideráveis na sociedade. A Lei de Introdução às Normas no Direito Brasileiro, uma espécie de guia de interpretação e aplicação de todas as leis brasileiras, estabelecida em 1942 (Decreto-Lei Nº 4.657), acaba de ser alterada pela Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018.

Foram alterados quatro artigos (20 a 24), passando a valer uma determinação clara, simples e impactante: as decisões, em qualquer instância, não poderão mais ser emanadas sem que o julgador leve em conta as “consequências práticas da decisão”, ou seja, decisões deverão ser fundamentadas e justificas considerando não apenas efeitos sobre as partes envolvidas diretamente no caso, mas também externalidades que afetem a terceiros, em última análise, Estado e sociedade.

Por exemplo, se em um caso tributário, a decisão for em favor do contribuinte ou do fisco, a sua fundamentação terá de justificar efeitos futuros, seja para as partes envolvidas no litígio, seja para todos os demais cidadãos.

Esse tipo de racional decisório por um lado é positivo: acarreta maior responsabilidade aos julgadores. Por outro, é negativo: pode descambar para decisões que, por exemplo, protejam sempre o Estado, ou que descambem em um Utilitarismo grosseiro, violando direitos individuais. Em decisões tributárias, o perigo é que os julgadores decidam reiteradamente em favor do Fisco, alegando que, se o contribuinte ganhar a causa, isso pode levar a uma reação em cadeia que quebraria os cofres públicos.

Alguns poderiam alegar que a nova lei prestigia ou mesmo incorpora e positiva a Análise Econômica do Direito, uma vez que exige do decisor a análise das consequências. Trata-se, todavia, de uma concepção equivocada de AED. O utilitarismo é uma posição normativa, muitas vezes necessária em decisões que inevitavelmente implicam alocação de recursos. Decidir quem tem direito em um litígio implica alocar recursos, porém tal preocupação, ainda que importante, tampouco pode violar direitos individuais, o alicerce de todo Estado Democrático de Direito. A AED não é utilitarista, mas sim consequencialista, o que significa avaliar, de forma neutra, todas as consequências possíveis advindas das escolhas dos decisores.

Por exemplo, se os tribunais passarem a dar vitórias apenas para o Estado/Fisco, com argumentos baseados em manutenção do erário, isso gerará péssimos incentivos, dando carta branca a abusos estatais. Os Tribunais estarão sinalizando a toda a sociedade que o Estado pode fazer o que bem quiser (ex. reiteradamente cobrar tributos inconstitucionais), pois não terá de arcar com as consequências, ou os custos de suas escolhas, jogando-os para os cidadãos (o que se chama de “moral hazard”,ou risco moral). Incentivos ruins também poderiam surgir caso o oposto acontecesse apenas fundado em critérios utilitaristas, criando uma indústria de teses jurídicas visando busca de renda (rent-seeking, cf. a literatura econômica).

A análise, portanto, é necessária para que os tomadores de decisões públicas saibam os possíveis efeitos práticos de seus julgamentos, o que significa dizer, externalidade positivas ou negativas, custos de oportunidade, custos de transação, trade offs e incentivos futuros que estarão criando para todos os demais indivíduos. Em síntese, como os agentes racionais irão reagir a tais decisões, cuja reação gerará feedback também para os legisladores, fiscais e os próprios juízes, influenciando também o seu agir.

Não há teoria do comportamento melhor que a fornecida pela Ciência Econômica, e a AED, ao aplicar tais ferramentas analíticas ao fenômeno jurídico, possibilita mensurar e mesmo prever (ainda que com limites, dada à complexidade da ação humana) as futuras consequências da aplicação deste novo diploma legal. Instrumentos como a teoria da escolha racional, a teoria dos jogos, heurística e vieses, behavioral law and economics, dentre outros, sempre os mais potentes para a investigação do comportamento jurídico, passarão a ser imprescindíveis daqui em diante. Se é que já não o eram antes.

Portanto, a nova LINDB não é, em si, Análise Econômica do Direito, mas sem dúvida, a AED é o melhor instrumento, se não o único, que pode justamente controlar os possíveis excessos e orientar a boa aplicação desta lei.

CRISTIANO CARVALHO

Fonte: Jota.info

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