A norma do artigo 119, inciso IX, da Lei de Falência e Recuperação Judicial não é aplicável em casos de contratos de trust, já que estes não têm previsão legal no ordenamento jurídico nacional e isso inviabiliza a pretensão do instituidor do trust de reaver os créditos administrados na hipótese de quebra do trustee.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a recurso com o qual a Concessionária de Rodovias do Interior Paulista pretendia reaver receitas de praças de pedágio que foram administradas pelo Banco Santos (hoje falido), por meio de um contrato de trust.
“A norma extraída do enunciado do artigo 119, inciso IX, que põe a salvo de arrecadação pela massa falida os patrimônios de afetação, faz referência expressa à legislação que disciplina o respectivo patrimônio de afetação. Ante essa previsão normativa, o tribunal de origem entendeu que somente os patrimônios de afetação previstos expressamente na legislação estariam sujeitos à referida proteção normativa”, disse o ministro.
Contrato de confiança
No caso analisado, a companhia de rodovias firmou contrato de financiamento com o BNDES, a ser amortizado com receitas das praças de pedágio. A receita era depositada no Banco Santos, o qual administrava os recursos com o propósito de amortizar o financiamento.
Segundo o relator, o instituidor do trust, no caso, é a concessionária de rodovias; o banco é o trustee e o BNDES é o beneficiário do contrato, já que o objetivo do trust era justamente amortizar o financiamento.
A despeito da argumentação do recorrente a favor da aplicabilidade da norma da Lei de Falência, Sanseverino lembrou que o contrato de trust não existe na legislação brasileira, já que, embora esteja previsto na Convenção de Haia sobre a lei aplicável aos trusts e sobre o seu reconhecimento, assinada em 1985, o Brasil não é signatário dessa convenção, o que inviabiliza a pretensão do recurso.
Patrimônio integrado
De acordo com o magistrado, por ser o trust um contrato de depósito, as receitas advindas das praças de pedágio passaram a integrar o patrimônio do banco, sendo correta a interpretação do TJSP de que tais recursos podem ser objeto de arrecadação pela administração da massa falida, como de fato ocorreu.
Dessa forma, segundo Sanseverino, deve ser mantida a decisão do tribunal de origem que inviabilizou a restituição dos valores em favor da empresa, possibilitando, entretanto, sua habilitação no quadro geral de credores do banco falido.
O ministro disse que também não é aplicável a Súmula 417 do Supremo Tribunal Federal, já que o enunciado diz respeito aos contratos em que não há transferência de titularidade sobre a quantia em dinheiro ou aos casos em que há instituição de patrimônio de afetação, nas hipóteses taxativamente autorizadas por lei.
“Não havendo norma jurídica que discipline o contrato de trust no Brasil, não há amparo legal para a afetação patrimonial pactuada no caso concreto”, concluiu Sanseverino. Por outro lado, acrescentou, “tratando-se de contrato de depósito em conta corrente bancária, o banco passou a deter a titularidade do dinheiro, o que é inerente a esse tipo de contrato”.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):
REsp 1438142
Fonte: STJ
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