Competência Tributária Municipal e a autonomia para implementação da transação tributária
1 Competência Tributária
A Competência Tributária significa atribuição do poder de tributar às três entidades políticas componentes da Federação. Em relação a impostos que são tributos desvinculados de qualquer atuação estatal, ao contrário das demais espécies tributárias – taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições sociais – estão descriminados na competência privativa da União (art. 153 da CF), dos Estados e Distrito Federal (art. 155 da CF) e dos Municípios (art. 156 da CF).
1.1 Discriminação constitucional de rendas é protegida por cláusula pétrea
Essa discriminação de impostos privativos decorre diretamente da autonomia das entidades políticas componentes da Federação prevista no art. 18 da Constituição e, por conseguinte, deriva da forma federativa de Estado adotada pela Carta Magna inserindo-se, portanto, no núcleo protegido por cláusulas pétreas (art.60, § 4º, I da CF).
Na peculiar Federação brasileira, inexistente em outra parte do mundo, o poder é horizontalizado e, portanto, o poder de tributar é subdividido em espaços regionais e sub-regionais como forma de manter a autonomia das entidades políticas regionais e locais. Nunca é demais consignar que à autonomia político-administrativa deriva da autonomia financeira que tem nos impostos privativos a sua principal e regular fonte de receitas públicas.
A Constituição de 1988 deferiu aos municípios o poder privativo de instituir o IPTU, o ITBI e o ISS.
A retirada de competência política municipal em relação a qualquer um desses impostos privativos requer o estabelecimento de um novo pacto federativo por meio de uma Assembleia Nacional Constituinte.
1.2 Distinção entre competência tributária e sujeito ativo do tributo
A competência tributária que deriva diretamente da Constituição não se confunde com o sujeito ativo do tributo que nem sempre é o titular da competência impositiva, pois as funções de fiscalização e de arrecadação podem ser delegadas por uma pessoa jurídica de direito público a outra pessoa, nos termos do art. 7º do CTN [1].
Em relação ao ITR essa delegação está contida no próprio texto constitucional pelo que cabe ao município fiscalizar e arrecadar esse imposto fazendo jus a 50% do produto de sua arrecadação. No caso de celebração de convênio com a União nos termos da Lei nº 11.250, de 27-12-2005, o município fará jus a 100% do produto de arrecadação do ITR.
A contribuição sindical patronal rural que vem sendo fiscalizada e arrecadada pela CNA, com respaldo na jurisprudência de nossos tribunais, é ilegal e inconstitucional por não existir esse tributo no mundo jurídico a partir do desaparecimento do sujeito ativo, um dos elementos estruturais do fato gerador da obrigação tributária. Com efeito, essa contribuição sindical vinha sendo arrecadada pelo INCRA até que a Lei nº 8.022, de 12-4-1990 passou para a Secretaria da Receita Federal as funções de fiscalização e arrecadação do citado tributo. Só que o próprio art. 24 dessa Lei previu a cessação dessa função fiscalizadora e arrecadadora da SRF a partir do dia 31-12-1996, sem designar órgão sucessor. Foi então que a CNA – mera entidade privada – arvorou-se em sujeito ativo dessa contribuição sindical passando a cobrar fiscalizar e cobrar judicialmente esse tributo extinto. Não cabe a uma entidade privada, mera beneficiária de 5% do produto de arrecadação dessa contribuição sindical preencher o vazio legal para fiscalizar e arrecada um tributo que sequer tem existência jurídica. O sujeito ativo do tributo quando não for a entidade que detém a competência tributária depende de previa indicação legal.
O princípio da legalidade tributária pressupõe criação do tributo por lei, e a lei deve descrever o seu fato gerador e apontar o sujeito ativo correspondente. Sem expressa previsão legal a ninguém, poder público ou entidade privada prestadora de serviço público é dado a exercer atividades concernentes às administrações tributárias da União, Estados, Distrito Federal e dos Municípios que a Constituição reputa como essenciais ao funcionamento do Estado (inciso XII, do art. 37 da CF).
2 Transação tributária na esfera municipal
Transação tributária outra coisa não é senão o acordo de vontades entre as partes da relação jurídico-tributária, mediante concessões recíprocas, para por termo ao um litígio. É o que se depreende da leitura do art. 171 do CTN que assim prescreve:
“A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário.
Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso.”
A expressão “determinação de litígio” empregada no texto legal supratranscrita deve ser entendida como terminação ou ultimação do litígio. Descabe cogitação de transação onde não houver litígio na esfera administrativa ou judicial.
Verifica-se, portanto, que a transação de natureza preventiva prevista no art. 840 do Código Civil não é aplicável no âmbito do direito tributário que se rege pelo regime de Direito Administrativo, onde impera o princípio da estrita legalidade.
Por isso, a conceituação dada por alguns estudiosos da matéria no sentido de que a transação tributária constitui um negócio jurídico em que os sujeitos da relação jurídico-tributária fazem concessões recíprocas para prevenir ou extinguir litígios, demonstra apego às noções de direito privado.
2.1 A transação tributária prescinde de lei especial?
Alguns autores sustentam a necessidade de lei especial para regular a transação tributária em virtude do disposto no § 6º do art.150 da CF in verbis:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
…
6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g”
Entretanto, entendemos que a transação tributária prescinde de lei especifica podendo cada esfera política disciplinar a matéria de forma específica, ou no bojo de uma lei ordinária como, por exemplo, dentro de um Código Tributário Municipal, bastando neste caso destacar um capítulo a respeito.
É que a transação tributária não se confunde com as remissões de juros e multas normalmente previstas nas diversas leis de parcelamento (PAEX, REFIS, PERT) ou com outros incentivos fiscais, como isenções parciais, redução da base de cálculo etc., que derivam todos eles exclusividade do direito legislado.
Não há nessas hipóteses o acordo de vontades entre as partes – Fazenda e Contribuinte – para diminuir o montante do tributo a ser pago.
2.2 A transação tributária e o princípio da supremacia e indisponibilidade do interesse público
Durante vários anos o interesse público vinha sendo invocado pela doutrina para obstar a transação tributária.
Ora, o interesse público a de ser examinado à luz de cada caso concreto e em função dos objetivos perseguidos pelo poder público. Não há uma definição material do que seja interesse público para se adequar a todos os acontecimentos do mundo fenomênico. No caso da transação tributária sob comento há a que se examinar o contingente enorme de dívidas ativas estocadas, sem possibilidades de realizações dos créditos tributários sob execução a curto e médio prazos. Um processo de execução fiscal, atualmente, leva em média 14 anos para se chegar ao termo final e, muitas vezes, o resultado dos bens apenhados e expropriados não cobrem o montante atualizado do débito sob execução. A taxa de congestionamento do Judiciário com as execuções fiscais cresce em média 15% ao ano. Em breve, as execuções fiscais acabarão por absorver a quase totalidade das demandas judiciais, comprometendo de forma irreversível a prestação jurisdicional do Estado que de há muito tempo já está claudicando.
Assim, se há um meio alternativo de rápida realização de receita tributária de que tanto necessita o País, para a implementação efetiva das políticas públicas, não se pode negar, em sã consciência, o uso do instituto da transação tributária que atende ao interesse público, mais do que isso, atende aos ditames da justiça social para assegurar a todos uma vida condigna. Só é preciso que a lei de cada entidade política tributante disciplina a matéria apontando a autoridade administrativa competente pra autorizar a transação em cada caso, como determina o parágrafo único do art. 171 do CTN.
SP, 10-11-17.
Kiyoshi Harada - Acadêmico titular da cadeira nº 7 da Academia Brasileira de Direito Tributário – ABDT – e seu Vice Presidente.
[1] O § 3º, do art. 18 da referido no final do art. 7º do CTN corresponde ao texto da Constituição de 1946. A Constituição de 1988 no inciso XXII, do art. 37 prevê o compartilhamento de cadastros e de informações entre os fiscos, na forma da lei ou convênios.
Fonte: Harada Advogados
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