A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou nesta quinta-feira aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) um memorial defendendo a possibilidade de réus condenados por um tribunal de segunda instância irem para a cadeia. Esse entendimento já foi fixado pela corte no ano passado. No entanto, com as declarações recentes integrantes da corte cogitando mudar o voto, há um movimento crescente no tribunal para que um novo julgamento seja realizado. A interlocutores, a presidente do tribunal, ministra Cármen Lúcia, disse que não quer pautar a questão para ser discutida em plenário tão cedo.
No documento, a procuradora argumenta que a prisão antes do julgamento de eventuais recursos pelos tribunais superiores é fundamental para o combate à impunidade. Para ela, revogar a decisão tomada no ano passado “representaria triplo retrocesso”. O primeiro seria a mudança de jurisprudência menos de um ano depois, ameaçando a “estabilidade” e a “seriedade” das decisões da corte. O segundo retrocesso seria “para a persecução penal no país, que voltaria ao cenário do passado e teria sua efetividade ameaçada por processos penais infindáveis, recursos protelatórios e penas prescritas”.
Dodge também sustenta que os recursos aos tribunais superiores não permitem a análise de provas – por isso, a medida não fere o direito à defesa do réu. “Mesmo na pendência de tais recursos que não têm efeito suspensivo, dificilmente se estará levando à prisão alguém que será absolvido pelos tribunais superiores”, escreveu a procuradora.
No ano passado, o tribunal decidiu pela execução antecipada da pena e abandonou a orientação anterior – em que, a não ser em casos de criminosos perigosos, a regra era deixar a pessoa recorrer em liberdade até a última instância. A decisão tem repercussão geral – ou seja, deve ser cumprida por juízes de todo o país, na análise específica de cada caso. No entanto, nem no próprio STF esse entendimento tem sido totalmente cumprido.
PUBLICIDADE
A procuradora criticou decisões individuais de ministros que contrariam a decisão tomada em plenário no ano passado. “Note-se que tal prática – inobservância monocrática de precedentes do Pleno - transmite a mensagem de que membros do Supremo Tribunal Federal podem, a qualquer momento, descumprir os precedentes vinculantes decididos pelo Pleno”, afirmou.
Desde o julgamento, vários ministros mudaram de ideia. Gilmar Mendes, que votou pela execução da pena a partir da condenação em segunda instância, anunciou que mudaria o voto para que as prisões fossem determinadas com a confirmação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), dando chance para que o condenado passe mais tempo em liberdade. Já Rosa Weber, que no ano passado era minoria, disse recentemente que cogita mudar de lado. Ela votou contra a antecipação da pena, permitindo que o condenado tenha direito de ficar em liberdade até o último recurso ser analisado pelo Judiciário.
Outro fator que poderia mudar o entendimento sobre o caso é a entrada de Alexandre de Moraes no STF neste ano. Ele não participou do julgamento do ano passado e ocupa o lugar que era antes de Teori Zavascki – que votou pela execução antecipada da pena. Moraes deu alertas recentes sobre a necessidade de se definir a questão novamente em plenário.
Mesmo diante das mudanças de ideias e de integrantes da corte, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, não listou o caso como prioridade – e, portanto, não tem a intenção de pautar nenhum processo sobre o assunto para julgamento em plenário. No ano passado, ela votou com a maioria, para permitir as prisões com condenação em segunda instância.
A ação julgada no ano passado foi decidida de forma liminar (provisória). Agora que o parecer de Raquel Dodge chegou, o relator do processo, ministro Marco Aurélio Mello, poderia liberar o caso para o julgamento de mérito (definitivo). Liberar o processo seria uma forma de tentar pressionar a presidente para marcar uma data.
PUBLICIDADE
Quem defende o novo julgamento argumenta que as divergências atuais têm gerado situações discrepantes em que, a depender do relator sorteado para o habeas corpus, o réu pode ser solto ou mantido preso.
No ano passado, o placar da votação sobre a execução antecipada das penas foi apertado, com seis votos a cinco. Do lado majoritário, alinharam-se os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia.
Os ministros Marco Aurélio, Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewadowski e Celso de Mello votaram para que os condenados não sejam presos se estiverem recorrendo judicialmente da sentença. Toffoli explicou que, antes da prisão, a condenação deveria ser confirmada por um tribunal de segunda instância e, depois, pelo STJ. Os outros ministros não especificaram a instância final – que, em tese, pode ser o STF, se a defesa levar o recurso até a mais alta corte do país.
Fonte: O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário