Quando a atividade empresarial se decompõe, a dívida financeira estrangula e o caixa seca, não resta outra alternativa à companhia se não recorrer à captação externa de recursos para manter seu going concern.
Especialmente quando não mais se tem financiamento bancário a um custo minimamente razoável, sobra aos sócios o fardo de injetar capital para garantir a sobrevivência do negócio.
Dentre tais desafios, um comum é a existência de um acordo de acionistas no qual se concede ao minoritário direito a veto em deliberações que aumentam o capital social da companhia.
Tal veto, usualmente negociado durante a implementação da transação que resultou na parceria empresarial ora em conflito, visa proteger o minoritário contra aumentos de capital arbitrários ou oportunistas, que seriam, nesses casos, utilizados pelo detentor da maioria do capital para diluir injustificada ou desnecessariamente o minoritário, reduzindo sua participação e importância na composição acionária da companhia.
Em tese, ante à tipicidade e direito à execução específica das obrigações ali constantes, o acordo – e, por conseguinte, o veto do minoritário – parece ser absoluto. Uma vez exercido, tal direito precisaria, portanto, obrigatoriamente ser respeitado.
Referida constatação passa despercebida em cenários de normalidade, porém torna-se uma arma de potência assombrosa em um cenário de conflito, por meio da qual o minoritário ameaça ou efetivamente mantém o controlador, a empresa e suas atividades reféns de sua vontade.
Minoritários assolados pela crise e sem capacidade de acompanhar os aumentos de capital de suas investidas muitas vezes buscam se fazer valer de vetos como o acima descrito para impedir sua diluição, mesmo quando a injeção de capital seria realizada em prol da sobrevivência da empresa.
Agora, essa ditadura da minoria não somente é inadmissível como também é ilegal.
Pouco importa se o direito desse minoritário esteja expressamente previsto em um acordo de acionistas válido, arquivado na sede da companhia e que as ações dos acionistas vinculados encontram-se gravadas por tal pacto nos livros sociais, inclusive dizendo algo como “a companhia não registrará ou reconhecerá o exercício de direitos de acionistas contrariamente ao previsto no acordo”.
É regra cogente e pilar fundamental da estrutura regulamentar das sociedades por ações que todos os acionistas precisam exercer seus direitos de voto no interesse da companhia.
Acordos vinculativos de voto podem estabelecer pactos extra legais, mas nunca legitimar atos contra legem. A ilegalidade não se torna legal e um ato inválido não se torna válido tão somente pois as partes puseram tinta em papel para este fim.
O direito de veto contratualmente previsto não afasta a obrigatoriedade da observância, pelo detentor de tal direito, das normas norteadoras de seu exercício previstas na Lei das S.A.
Por conseguinte, a inobservância de tais parâmetros balizadores resulta no afastamento da aplicação de tal direito contratual, deixando que a deliberação que aumente o capital da companhia em questão seja aprovado pelo quórum majoritário previsto em lei, em prol da salvaguarda do interesse, dos negócios e da sobrevivência da companhia.
Com isso, o presidente de tal assembleia não só pode, como deve, desconsiderar a execução específica do acordo de acionistas e registrar o aumento como aprovado, mesmo com a dissidência do minoritário.
Até contratos validamente celebrados que estabelecem direitos abstratamente legítimos podem ter sua aplicação afastada caso o exercício de tais direitos esteja em conflito com outras normas aplicáveis à fattispecie em questão.
Coisas que parecem rotineiras, seguras e hígidas nem sempre são assim quando transpostas ao caso concreto, e o direito das companhias nem de perto se resume na satisfação e no exercício de direitos de forma egoística e ditatorial por seus detentores.
Independentemente do disposto no acordo, direitos de veto exercidos contrariamente aos interesses da companhia são inválidos em virtude de sua afronta à norma expressa, fundamental e basilar da Lei das S.A.
Há sempre saídas legais e corretas para proteção de investidores, acionistas, empresários e suas respectivas empresas, contra abusos de outros, mesmo quando aparenta-se claro, explícito e inequívoco o direito alheio. Questione-se se está realmente refém de situações que parecem flagrantemente injustas. O direito fornece mecanismos para corrigir tais injustiças.
Ivo Bari – Advogado, Bacharel em Direito pela FGV Direito SP e Mestrando em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da USP
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Fonte : Jota
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