A fixação do valor da indenização por dano moral na Justiça do Trabalho sempre foi o calvário de advogados e juízes. Há lesões gravíssimas subestimadas pelos juízes e para as quais foi fixada indenização irrisória, assim como há lesões de somenos, para as quais os juízes fixaram indenizações claramente desproporcionais à gravidade da ofensa. Como “dor não tem preço”, e o Código Civil limita-se a dizer que a indenização se mede pela extensão do dano[1], o arbitramento de um valor justo e razoável para indenizar o prejuízo moral do empregado fica a critério do juiz e vai nisso grande dose de subjetividade. Juízes são pessoas sujeitas como todas aos influxos de grande número de estímulos e, queiramos ou não, no cálculo da indenização que arbitram para o dano moral entram certos fatores imponderáveis que vão desde a história pessoal do julgador, o seu humor no dia do julgamento, o peso da mão e alguns outros elementos fáticos dos autos que ele entenda devam ser sopesados. Nesse ponto, a doutrina ajuda muito pouco, e os critérios sugeridos são sempre aleatórios. E nem dá para ser de outro modo. Muitas legislações modernas já tentaram estabelecer uma espécie de tarifa para essas lesões, e todas fracassaram. A melhor regra é, sem dúvida, deixar ao prudente arbítrio do juiz.
Alguns critérios objetivos podem entrar nessa conta, como a primariedade ou a reincidência do ofensor, o grau de fidúcia que liga o ofendido ao agressor, a repercussão da ofensa na esfera pessoal da vítima (honra subjetiva) e o estrago corporativo que a agressão possa representar na sua honra objetiva, isto é, no conceito que terceiros fazem dele como empregado e como vivente na sociedade, mas mesmo assim essa soma de fatores muito particulares e voláteis pode alçar o valor de uma indenização por um dano simples, de alguma quantia módica a um valor extremamente desproporcional e iníquo e, dependendo do porte do negócio, ou do número de pessoas envolvidas na lesão, a vida econômica de uma empresa pode vir a ser seriamente abalada pela extensão da condenação.
O pior que pode ocorrer no campo da responsabilidade civil por dano moral nem é tanto o valor da conta a pagar, porque o descompasso entre a gravidade da lesão e o valor fixado para a sua indenização muita vez a própria situação dos autos se encarrega de demonstrar. O que realmente incomoda é a falta de fundamentação para a fixação deste ou daquele valor. Dizer o porquê de estar apenando em “x”, e não em “y”, não é favor que o julgador faz às partes ou ao processo. É obrigação. Na maioria dos casos, o que se vê é um extenso relatório da situação de fato que gerou a lesão, mas nenhuma fundamentação quanto aos porquês de haver fixado este valor, e não aquele. É claro que não há uma fórmula, um padrão indenizatório ou uma tarifação das lesões, como ocorre, por exemplo, no mercado securitário, mas isso não exime o julgador de dizer minimamente quais critérios utilizou para encontrar o valor arbitrado para a reparação do dano. Casos há em que a lesão e a sua autoria não são nem mesmo controvertidas nos autos, mas os julgados se demoram na “fundamentação” do ponto quando sobre isso nem se controverte no processo. Do que normalmente a sentença se ressente é de uma fundamentação consistente dos porquês da fixação de uma indenização tão vultosa, ou tão pífia[2].
A Lei 13.467/2017[3] introduziu na CLT o artigo 223, letras A a G, disciplinando o dano moral (ou extrapatrimonial)[4]. De acordo com a redação da MP 808/2017, que a modificou, em parte, são objetivamente protegidos como bens morais do trabalhador a etnia, a idade, a nacionalidade, a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, o gênero, a orientação sexual, a saúde, o lazer e a sua integridade física, assim como a imagem, o nome, o segredo empresarial e o sigilo de correspondência das pessoas jurídicas.
A nova lei estipula alguns critérios objetivos que o juiz deve examinar na fixação do valor da indenização por dano moral, além de possibilitar a indenização dobrada nos casos de reincidência entre as mesmas partes[5]. O artigo 223-G, da CLT, diz que o juiz, ao apreciar o pedido de indenização por lesão moral, considerará:
I - a natureza do bem jurídico tutelado;
II - a intensidade do sofrimento ou da humilhação;
III - a possibilidade de superação física ou psicológica;
IV - os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão;
V - a extensão e a duração dos efeitos da ofensa;
VI - as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral;
VII - o grau de dolo ou culpa;
VIII - a ocorrência de retratação espontânea;
IX - o esforço efetivo para minimizar a ofensa;
X - o perdão, tácito ou expresso;
XI - a situação social e econômica das partes envolvidas;
XII - o grau de publicidade da ofensa”.
O §1º do artigo 223, modificado pela MP 808/2017, estabeleceu parâmetros mínimos de indenização:
a) — para ofensas de natureza leve, indenização de até três vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social;
b) — para ofensas de natureza média, indenização de até cinco vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social;
c) — para ofensas de natureza grave, indenização de até vinte vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social;
d) — para ofensas de natureza gravíssima, indenização de até cinquenta vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social[6].
Como a nova lei não diz o que se deve entender por lesões de natureza leve, média, grave e gravíssima, ainda vai levar um tempo para que a doutrina e a jurisprudência acomodem algum consenso sobre esses conceitos.
1 Cód.Civil, art.944.
2 CPC, art.489.
3 Lei da Reforma Trabalhista.
4 “Art. 223-A. Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título.’
‘Art. 223-B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.’
‘Art. 223-C. A etnia, a idade, a nacionalidade, a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, o gênero, a orientação sexual, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa natural.”
‘Art. 223-D. A imagem, a marca, o nome, o segredo empresarial e o sigilo da correspondência são bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa jurídica.’
‘Art. 223-E. São responsáveis pelo dano extrapatrimonial todos os que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou da omissão.’
‘Art. 223-F. A reparação por danos extrapatrimoniais pode ser pedida cumulativamente com a indenização por danos materiais decorrentes do mesmo ato lesivo.
§ 1º Se houver cumulação de pedidos, o juízo, ao proferir a decisão, discriminará os valores das indenizações a título de danos patrimoniais e das reparações por danos de natureza extrapatrimonial.
§ 2º A composição das perdas e danos, assim compreendidos os lucros cessantes e os danos emergentes, não interfere na avaliação dos danos extrapatrimoniais.’
‘Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará:
I - a natureza do bem jurídico tutelado;
II - a intensidade do sofrimento ou da humilhação;
III - a possibilidade de superação física ou psicológica;
IV - os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão;
V - a extensão e a duração dos efeitos da ofensa;
VI - as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral;
VII - o grau de dolo ou culpa;
VIII - a ocorrência de retratação espontânea;
IX - o esforço efetivo para minimizar a ofensa;
X - o perdão, tácito ou expresso;
XI - a situação social e econômica das partes envolvidas;
XII - o grau de publicidade da ofensa.
§ 1º Ao julgar procedente o pedido, o juízo fixará a reparação a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:
I - para ofensa de natureza leve - até três vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social;
II - para ofensa de natureza média - até cinco vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social;
III - para ofensa de natureza grave - até vinte vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social; ou
IV - para ofensa de natureza gravíssima - até cinquenta vezes o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
5 CLT, art.223, §§3° e 4°.
6 O teto dos benefícios previdenciários para 2017 era de R$5.531,31, com aumento de 11% em relação ao de 2016 (R$5.189,82)
Rafaela Mariana de Souza Fonseca é advogada trabalhista no Rio de Janeiro.
Fonte: Conjur
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