A 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) confirmou hoje (24/1), por unanimidade, a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, passando a pena de nove anos e seis meses para 12 anos e um mês de reclusão em regime fechado e pagamento de 280 dias-multa (com valor unitário de cinco salários mínimos). Esta foi a 24ª apelação criminal julgada pelo tribunal contra sentenças proferidas em ações oriundas da Operação Lava Jato.
A apelação criminal envolve o favorecimento da Construtora OAS em contratos com a Petrobras, com o pagamento de propina destinada ao Partido dos Trabalhadores e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por meio de apartamento triplex do Condomínio Edifício Solaris, no Guarujá, litoral de São Paulo, e do depósito do acervo presidencial.
Em relação ao ex-presidente do Instituto Lula Paulo Tarciso Okamotto, que foi absolvido do crime de lavagem de dinheiro em primeira instância, no caso do acervo presidencial, a 8ª Turma manteve a sentença, negando o pedido de alteração do fundamento legal da absolvição. Ele requeria que constasse “não existir prova de que o réu tenha concorrido para a infração penal” e não a falta de provas suficientes.
Os desembargadores também entenderam por manter a absolvição dos ex-executivos da OAS Paulo Roberto Valente Gordilho, Roberto Moreira Ferreira e Fábio Hori Yonamine (lavagem de dinheiro).
Início do julgamento
Às 8h32, o presidente da 8ª Turma, desembargador federal Leandro Paulsen, abriu os trabalhos da sessão de julgamento. Ele lembrou que o TRF4 tem feito esforços para cumprir as metas do Conselho Nacional de Justiça, prestando jurisdição o tanto quanto possível qualificada e célere. “Para este ano de 2018, constitui a meta 4 priorizar os processos relativos à corrupção e à improbidade administrativa, o que será observado”, salientou o magistrado.
Após, o desembargador federal João Pedro Gebran Neto fez a leitura do relatório referente à apelação, fazendo um histórico do processo, desde sua autuação, passando pela sentença do juiz de primeiro grau e trazendo os pedidos feitos pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelas defesas dos réus em seus recursos apresentados perante o TRF4.
Parecer do MPF e sustentações orais
O procurador regional da República Mauricio Gotardo Gerum reforçou os pedidos apresentados no parecer do MPF. O órgão ministerial pediu a ampliação das penas fixadas para o ex-presidente Lula, a aplicação de atenuantes para Leo Pinheiro e Agenor Franklin Magalhães Medeiros, ex-diretor da área internacional da OAS, e a condenação de três ex-executivos da OAS, Paulo Roberto Valente Gordilho, Roberto Moreira Ferreira e Fábio Hori Yonamine, absolvidos em primeira instância.
“Lamentavelmente, Lula se corrompeu”, destacou Gerum em sua manifestação. “O que parecia ser uma construção de uma governabilidade, a partir de indicações políticas, nada mais era do que a criação de um mecanismo de dilapidação dos cofres estatais”. Conforme o procurador, a defesa não conseguiu apresentar qualquer argumento consistente que afastasse o conjunto probatório apresentado. E ressaltou: “Não é porque se trata de um ex-presidente da República que nós só vamos aceitar como prova a escritura assinada ou recibo da corrupção com firma reconhecida em cartório”.
Assistente de acusação, o advogado da Petrobras René Ariel Dotti lamentou que, por mais de uma vez, a maior indústria petrolífera do Brasil, uma das maiores do mundo, sofra um atentado gravíssimo contra o seu patrimônio. “A Petrobras espera que o TRF4 confirme a orientação de que o produto retido pelo crime reverta em seu favor numa espécie, inclusive, de justiça reparativa, além de fixar o valor mínimo para a reparação dos danos causados pelas infrações".
O advogado Fernando Augusto Henrique Fernandes, representando Paulo Okamotto, sustentou da tribuna pedindo a troca de fundamentação da sentença absolutória do ex-presidente do Instituto Lula, para que fosse considerado inocente e não absolvido por falta de provas. Lembrou que a lei considera acervos presidenciais como patrimônio público cultural brasileiro e que se apresentou como testemunha de defesa o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “O depoimento do ex-presidente deixa claro o interesse público do acervo e todas dificuldades que se tem para manter e custear um acervo presidencial”, frisou.
Último a falar, o advogado do ex-presidente Lula, Cristiano Zanin Martins, pediu a absolvição de seu cliente. “É necessário haver a prova, o nexo da função pública com a vantagem recebida." Criticou que a sentença fala em atos de ofício indeterminados. “Não houve o recebimento de vantagem indevida. O presidente Lula não é o proprietário do triplex, jamais recebeu as chaves ou passou um dia”, ressaltou.
Para Zanin, a sentença se baseia apenas na palavra de Leo Pinheiro, que é co-réu e não precisa falar a verdade. “O que temos aqui é um processo nulo que gerou uma sentença nula e também um processo na qual não foi feita a prova da culpa, mas sim a prova da inocência", disse. "O que se pede é que seja reconhecida uma questão de justiça", concluiu.
Votos dos desembargadores
Em um extenso voto com cerca de 430 páginas, o relator, desembargador federal João Pedro Gebran Neto, iniciou negando as cerca de 30 preliminares trazidas pelas partes. Quanto ao mérito da apelação, o magistrado entendeu que no caso de Lula, Leo Pinheiro e Medeiros, condenados pelo juiz federal Sérgio Moro em sentença proferida em 12 de julho de 2017 por corrupção ativa e passiva e por lavagem de dinheiro, a prova oral e documental corrobora a versão da acusação de que o ex-presidente e a ex-primeira-dama eram os proprietários do triplex e que as reformas promovidas pela empreiteira OAS foram destinadas a eles como pagamento da porcentagem de propina reservada ao ex-presidente como retribuição pelo fechamento de contratos da empreiteira com a Petrobras.
“Me parece extremamente relevante o fato de ter havido uma visita, terem sido realizados projetos e, posteriormente, ter sido feita a apresentação desses projetos na residência do ex-presidente e da ex-primeira-dama, havendo aprovação. Depois, ainda houve uma segunda visita para verificar as reformas”, escreveu em seu voto.
Para Gebran, “vários detalhes vão somando, dando a certeza de que os fatos ocorreram dessa forma”. Conforme o desembargador, “há prova acima de dúvida razoável de que a unidade do triplex estava sim destinada ao ex-presidente como vantagem, apesar de não formalmente transferida porque sobreveio a Operação Lava Jato e com ela, a prisão de empreiteiros envolvidos, entre eles José Aldemário”. A transferência anterior da unidade para o ex-presidente ou a ex-primeira-dama, explicou Gebran, não é essencial para a caracterização da lavagem de dinheiro, justamente porque o contexto mostra-se compatível com o propósito de ocultar ou dissimular a titularidade ou origem do bem.
Segundo o desembargador, a situação é idêntica a se o apartamento fosse colocado no nome de um laranja. Neste caso, a ausência da transferência transforma a OAS em um mero laranja do verdadeiro titular dessa unidade.
Ao elevar a pena, o desembargador entendeu que há culpabilidade extremamente elevada no caso, por tratar-se de ex-presidente da República que recebeu valores decorrentes da função que exercia, e de esquema de corrupção que se instalou durante o exercício do mandato, do qual se tornara tolerante e beneficiário. “É lembrar que a eleição de um mandatário, em particular de um presidente da República, traz consigo a esperança de população em melhor projeto de vida”, pontuou.
Gebran manteve a absolvição de Okamotto, mas negou a alteração do fundamento da sentença pedida pela defesa do ex-presidente do Instituto Lula. Em relação aos outros réus, também manteve a absolvição dos ex-executivos da OAS Paulo Roberto Valente Gordilho, Roberto Moreira Ferreira e Fábio Hori Yonamine do crime de lavagem de dinheiro, no que foi acompanhado pelos demais integrantes da 8ª Turma.
Gebran finalizou seu voto fazendo uma reflexão: “no banco dos réus, está um ex-presidente que, por dois mandatos, comandou um país. Isso torna a tarefa do julgador mais sensível e dramática". Mas, reforçou o magistrado, nada disso pode abalar a isenção de ânimo ou a imparcialidade do julgador. “Não julgamos o nome ou personagem, ou ainda um reconhecido estadista. Julgamos fatos concretos, os quais foram examinados e julgados dentro da mais perfeita moldura constitucional da legalidade, das provas e dos limites da minha capacidade”, finalizou.
O revisor, desembargador federal Leandro Paulsen, acompanhou integralmente o voto do relator. Ele destacou que o caso em análise “não trata de pequenos desvios de conduta, fragilidades morais, sutil deterioração dos costumes”. “Estamos tratando é da revelação de uma criminalidade organizada envolvendo a própria estrutura do Estado brasileiro, com prejuízo inequívoco às suas perspectivas de amadurecimento, de crescimento e de desenvolvimento. O fato de se tratar de alguém processado por maus feitos praticados quando do exercício da presidência é um elemento relevantíssimo a ser considerado”, frisou.
Paulsen ressaltou que, neste tribunal, não se aceita condenação baseada apenas em delações. “É inequívoco o vínculo de causalidade entre a conduta do ex-presidente Lula e os crimes praticados. Luiz Inácio agiu pessoalmente para tanto, bancando quedas de braço com o Conselho da Petrobras, forte na condição de presidente da República”, disse o revisor da apelação, “tendo até ameaçado substituir os próprios conselheiros caso não fosse confirmada a indicação”.
“Há elementos de sobra que demonstram que Lula concorreu para os crimes de modo livre e consciente, que concorreu para viabilizá-los e para perpetuá-los”, destacou o desembargador. "Não se trata simplesmente da sua superioridade hierárquica enquanto presidente, mas do uso que fez desse poder", concluiu.
Para o desembargador federal Victor Luiz dos Santos Laus, último integrante da 8ª Turma a votar, o colegiado não julga pessoas, julga fatos. “O que está em julgamento nesta tarde é um fato detectado nessa investigação que, tendo chegado ao conhecimento das autoridades policiais e ao MPF, apurou um juízo de que algo de errado teria acontecido. A nós, interessa o fato, aquilo que de concreto aconteceu”, frisou.
De Lula, ressaltou o magistrado, era esperada uma postura diferente. Ciente dos fatos em seu entorno, explicou o magistrado, deveria ter tomado providências, mas ficou em silêncio, e auferiu proveito dessa situação. “São fatos que deslustram a biografia, mas são fatos concretos e devem receber o escrutínio de um processo judicial”, afirmou. Para Laus, expostas às críticas da defesa, as provas resistiram. “Fossem elas frágeis, não teriam resistido ao embate, mas resistiram”, concluiu.
O julgamento da apelação criminal encerrou às 17h45min, após mais de 8h de sessão, quando o presidente da 8ª Turma, proclamou o resultado final.
Como ficaram as penas:
Luiz Inácio Lula da Silva: condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A pena passou de 9 anos e 6 meses de reclusão para 12 anos e um mês, a ser cumprida em regime inicial fechado. Também foi condenado ao pagamento de multa no valor de 280 dias-multa (valor unitário do dia-multa de 5 salários mínimos vigentes ao tempo do último fato criminoso);
José Aldemário Pinheiro Filho: condenado por corrupção ativa e lavagem de dinheiro. A pena foi reduzida de 10 anos e 8 meses de reclusão para três anos, seis meses e 20 dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicial semi-aberto. Também foi condenado ao pagamento de multa no valor de 70 dias-multa (valor unitário do dia-multa de 5 salários mínimos);
Agenor Franklin Magalhães Medeiros: condenado por corrupção ativa. A pena passou de 6 anos de reclusão para um ano, dez meses e sete dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicial aberto. Pagamento de multa no valor de 43 dias-multa (valor unitário de 5 salários mínimos).
Execução da pena
A determinação de execução provisória da pena é feita pela 12ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelas execuções penais. No entanto, essa execução só é possível após o exaurimento dos recursos ainda cabíveis em segundo grau (embargos de declaração).
Recursos no TRF4
Os recursos possíveis são os embargos de declaração, utilizados para pedido de esclarecimento da decisão, quando houver no acórdão (decisão da Turma) ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão. Os embargos de declaração devem ser interpostos no prazo de dois dias contados da intimação dos advogados do acórdão. Como a decisão foi unânime, não cabem embargos infringentes.
Fonte: TRF-4
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