sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Lava Jato já condenou mais de 140 pessoas; Supremo não julgou ninguém

Deflagrada pela Polícia Federal em março de 2014, a Operação Lava Jato se tornou célebre por revelar aos brasileiros um dos maiores escândalos de corrupção e lavagem de dinheiro de que já se teve notícia, envolvendo políticos, agentes públicos, grandes empreiteiras e altos executivos da Petrobras. Passados quase quatro anos, as condenações se acumulam em primeira e segunda instância, chegando até a figuras como o ex-presidente Lula, que teve sua pena no caso do triplex do Guarujá (SP) aumentada para 12 anos e 1 mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), na última quarta-feira (24).

Porém, quando se trata de autoridades com foro privilegiado, a coisa muda de figura. No Supremo Tribunal Federal (STF), instância máxima do Judiciário e responsável pelos processos envolvendo parlamentares e ministros, nenhuma ação penal foi concluída no âmbito da Lava Jato. Em Curitiba e no Rio de Janeiro, que concentram as principais ações da operação na primeira instância, pelo menos 144 pessoas já acumulam 181 condenações – algumas foram sentenciadas mais de uma vez.

Desde março de 2015, quando foi divulgada a primeira “lista de Janot” – relação dos citados nas delações premiadas do doleiro Alberto Yousseff e do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, encaminhada ao STF pelo então procurador-geral da República Rodrigo Janot –, 193 inquéritos (investigações preliminares que podem virar processos) foram instaurados no STF. Entre eles, 36 resultaram em denúncias criminais e 7 em ações penais (processos que podem resultar em condenação) que envolvem 100 acusados. Segundo dados obtidos no site do Ministério Público Federal (MPF), 121 acordos de colaboração premiada já foram submetidos ao Supremo até janeiro deste ano. O número de condenações de políticos, no entanto, ainda é zero.

Estão na fila do Supremo inquéritos e ações penais da Lava Jato que envolvem quase toda a cúpula do Congresso e auxiliares diretos do presidente Michel Temer. Parlamentares como Renan Calheiros (MDB-AL), Romero Jucá (MDB-RR), Eunício Oliveira (MDB-CE), Aécio Neves (PSDB), Fernando Collor (PTC-AL), Rodrigo Maia (DEM-RJ), José Serra (PSDB-SP) e Gleisi Hoffmann (PT-PR), entre outros, aguardam o desenrolar vagaroso de seus casos. Desses, apenas Gleisi e Collor viraram réus até o momento. Ministros como Eliseu Padilha (Casa Civil), Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) e Gilberto Kassab (Ciência e Tecnologia) também comandam suas pastas a despeito das suspeitas.

Alguns dos políticos da “lista de Janot” só estão atrás das grades hoje porque perderam o foro no Supremo, como os ex-presidentes da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ) e Henrique Eduardo Alves (MDB-RN), submetidos hoje à primeira instância.


Instâncias inferiores

Na comparação entre o STF e as instâncias inferiores, a efetividade na resolução dos casos da Lava Jato é surpreendente. Em primeira instância, por exemplo, a Justiça do Paraná contabiliza 72 acusações criminais, 37 delas já com sentenças, contra 289 pessoas. Segundo dados do MPF, foram 177 condenações até 2017, contra 113 pessoas, totalizando 1.753 anos e 7 meses de penas. Os registros mostram ainda 1.765 procedimentos instaurados, 881 mandados de busca e apreensão, 222 mandados de condução coercitiva, 101 prisões preventivas e 163 acordos de delação premiada.

Na Justiça do Rio de Janeiro, as 25 denúncias do MPF, contra 134 pessoas, já resultaram em 4 sentenças, 31 condenados, com penas somadas de 377 anos e 5 meses de reclusão, além de 57 prisões preventivas, 34 conduções coercitivas, 211 buscas e apreensões, 15 acordos de delação homologados e 17 operações em conjunto com a Polícia Federal e a Receita Federal.

Já na segunda instância, o TRF-4 analisou 23 recursos em 98 decisões do juiz federal Sérgio Moro. Dos 77 condenados pelo magistrado, apenas 5 foram absolvidos pelo TRF-4. Em três anos, 35 réus tiveram as penas elevadas, 20 tiveram suas sentenças mantidas e 16 deles tiveram as penas reduzidas. O total de apelações de penas da Lava Jato já apreciadas pela 8ª Turma do TRF-4 já chega a 24.

Corte constitucional

A Lava Jato no Supremo também é marcada por uma tragédia: a morte do então relator, Teori Zavascki, em desastre aéreo um ano atrás. O seu sucessor na função, ministro Edson Fachin, tinha de decidir sobre diligências e despachos enquanto tomava pé dos três anos de trabalho de Teori na relatoria.

Professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o advogado Pedro Estevam Serrano acredita que a demora do STF em julgar os casos da Lava Jato se deve ao grande número de processos na fila. Como uma corte constitucional, isto é, que tem como função principal garantir a aplicação da Constituição Federal, a competência do STF vai desde a esfera estadual até a federal, com apenas 11 ministros para atender a demanda. Já os tribunais de Justiça e os TRFs, observa o professor, possuem uma abrangência menor, além do número maior de pessoas para analisar cada caso e de seções especializadas, por exemplo, seja em Direito Penal, Tributário, Previdenciário ou demais categorias.

“O STF é uma corte constitucional e, ao mesmo tempo, um órgão do Judiciário porque nós fizemos um mix entre o sistema americano de controle de constitucionalidade e o sistema europeu. Como órgão do Judiciário, ele tem que julgar casos criminais, cíveis, comerciais, trabalhistas, eleitorais. Ele julga casos tanto na esfera estadual quanto na federal. Enquanto o Tribunal de Justiça só julga casos da esfera estadual, e um TRF só julga casos da chamada esfera federal, o STF julga todos, além de ter competência originária para julgar algumas pessoas, o chamado foro privilegiado, e para julgar, no campo cível e administrativo, certos atos do Executivo e do Legislativo”, disse ao Congresso em Foco.

Para ele, esse é um dos problemas estruturais do sistema de Justiça brasileiro. Serrano defende que o Supremo delegue funções para as cortes inferiores, como já acontece nos Estados Unidos, e que a atividade de corte constitucional seja separada do Judiciário, o que, em sua opinião, daria mais equilíbrio entre os três poderes. “Os Estados Unidos passaram por um problema semelhante a esse que nós passamos no século 19. O que fez a Suprema Corte Americana? Delegou funções para as cortes inferiores. É isso que o nosso pessoal não quer fazer. Eles querem concentrar poder, concentrar competências”, considerou.

Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Roberto Veloso concorda que a estrutura do STF não é suficiente para dar conta do número de casos. “Tramitam hoje mais de 100 mil processos no Supremo. Essas ações penais da Lava Jato estão no meio desses processos, por isso estão demorando para serem processadas. A estrutura do Supremo é de ser uma corte constitucional, de julgar ações diretas de inconstitucionalidade, ações de descumprimento de preceito fundamental. Quando o Supremo é chamado para julgar também os casos criminais, esses casos terminam atrasando em razão disso”, justificou.

“Por isso é que agora o Supremo já, por maioria, decidiu enviar todos os processos envolvendo parlamentares por fatos ocorridos anteriores ao mandato para a primeira instância. Só está faltando o ministro [Dias] Toffoli devolver o voto vista dele, mas já está formada a maioria”, lembrou o juiz federal.

“Juizado de exceção”

O professor Pedro Serrano destacou que a comparação entre as atuações das instâncias inferiores e do STF nos processos da Operação Lava Jato, especialmente quando se fala nos números da Justiça Federal do Paraná, parte de um “pressuposto errado”.

“O juiz Moro, por exemplo, foi designado para tocar só os casos da Lava Jato, não tem outra atividade. Isso dá para ele a capacidade de gerar decisões muito mais rapidamente, por óbvio, do que qualquer outro juiz que estivesse em uma situação de normalidade, que tivesse que tocar, além dos casos da Lava Jato, outros da sua Vara”, avaliou. “Em Curitiba e no Paraná foi dada prioridade aos casos da Lava Jato, foi designado um juiz só para eles, o que também é questionável, sob o ponto de vista da constitucionalidade. Cria-se um juizado de exceção”, disse.

Para ele, o julgamento do mensalão do PT, escândalo de corrupção que revelou a compra de votos de parlamentares durante o governo do ex-presidente Lula, é um dos exemplos da eficácia do Supremo Tribunal Federal. Ele comparou o caso ao do chamado mensalão mineiro, escândalo de peculato e lavagem de dinheiro que ocorreu durante a campanha de reeleição de Eduardo Azeredo (PSDB) ao governo de Minas Gerais, em 1998. Desde a denúncia, em 2005, o caso já se arrasta há 13 anos, e ainda aguarda julgamento na segunda instância – muitos dos crimes, inclusive, já prescreveram.

“Na realidade, o STF é muito mais ágil para julgar as pessoas. Acho que o mensalão é o maior exemplo disso. Faz-se um movimento para querer que ele aja de forma atabalhoada nos casos da Lava Jato, que ele passe à frente. Veja, tudo isso vai ser cobrado no futuro, é coisa que espanta o ambiente jurídico internacional. O STF tem que julgar com isonomia, com igualdade. Não tem por que julgar um caso da Lava Jato antes de outro caso comum de corrupção, por exemplo. Corrupção é corrupção”, ressaltou.

O Congresso em Foco procurou o Supremo e a assessoria do ministro Edson Fachin. Mas ninguém quis comentar a reportagem.

O caso Lula

Serrano também questionou a celeridade no julgamento dos processos da Lava Jato pela primeira e segunda instâncias. Ele deu como exemplo a análise do recurso do ex-presidente Lula pelo TRF-4 no caso do triplex.

“Existe uma regra administrativa no TRF-4 que fala para priorizar o julgamento dos casos de corrupção. Só que eles passaram à frente o julgamento do Lula, entre muitos casos de corrupção. Isso não tem justificativa”, apontou. “Eu por exemplo, questiono o fato de o revisor [o desembargador Leandro Paulsen] ter ficado 6 dias com o processo, um processo de mais de 200 mil páginas. Não deu tempo de ele ler. Nem que tenha ficado 24 horas por dia lendo, ele não deve ter lido nem um terço do processo”, afirmou o advogado.

Ele acrescentou: “Agilizações devem ser vistas com cautela e com desconfiança, e não ao contrário. Não enaltecendo o tribunal que julga rápido, porque nem sempre esse rápido significa coisa boa. Tem que ter uma análise crítica e técnica de cada caso para saber”.

Já o juiz Roberto Veloso destacou que a lentidão é uma das grandes queixas contra o Judiciário brasileiro. “Segundo levantamento do ministro [Roberto] Barroso, o recebimento de uma denúncia no Supremo Tribunal Federal demora, em média, 587 dias. É muito tempo. É até de espantar que um advogado esteja fazendo esse tipo de argumento”, disse. “A grande queixa contra o Judiciário é que ele é lento. Mas quando o Judiciário desempenha o seu papel, julgando celeremente, vem a alegação de que o Judiciário deveria julgar com vagar”, pontuou.

Veloso também rebateu as críticas à atuação da 8ª Turma do TRF-4 no julgamento do ex-presidente Lula. “Esse tipo de argumento não se sustenta, porque o Tribunal Regional Federal da 4ª Região é o tribunal mais rápido que existe no Brasil, justamente porque o processo dele é todo eletrônico. Não existe mais o processo físico, não existe processo de papel. Os processos são julgados rapidamente em razão disso. Avalio que os desembargadores julgaram de acordo com a sua consciência, a partir de uma análise dos autos do processo. O voto deles foi técnico, bem fundamentado e à vista de todas as pessoas, porque foi transmitido ao vivo para todo o Brasil”, completou o presidente da Ajufe.

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