Em matéria tributária, a partir de 2001, há um pressuposto quase inabalável que é a vedação à compensação antes do trânsito em julgado, por força do art. 170-A do CTN, incluído pela LC nº 104/2001 e ratificado em maio/2005 pelo Enunciado da Súmula 212 do STJ. Proponho então rediscutir tal pressuposto a partir das disposições do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015).
Em primeiro lugar, convém ressaltar que o pagamento indevido ou a maior do crédito tributário faz surgir uma nova relação jurídica – indébito tributárioi -, e cuja satisfação (extinção) se dá, a princípio, na própria via administrativa, por duas formas principais: (i) restituição ou (ii) compensação.
O problema surge quando o Fisco não reconhece esse fato jurídico, hipótese em que o contribuinte necessita da tutela jurisdicional substitutiva do ato jurídico administrativo de reconhecimento da certeza e liquidez do indébito tributário.
Frise-se que quando a satisfação desse indébito se der sob a forma de restituição, pressupõe-se que o juiz declare tanto a certeza como a liquidez do indébito, não se sujeitando à posterior validação dos valores pelo Fisco. Já na compensação, é cediço que o Judiciário não pode retirar do Fisco o poder-dever de analisar o quantum do indébito. Logo, o juiz cinge-se a declarar a certeza do indébito, cujo quantum deverá ser objeto de fiscalização pelo Fisco. Aliás, foi em virtude de decisões judiciais que retiravam do Fisco esse poder-dever de fiscalização dos valores compensados que foi editada a Súmula 212 do STJ retro referida. Isso não significa que o indébito compensado pelo contribuinte seria ilíquido, mas apenas que o requisito da liquidez está sujeito a uma condição resolutória, que é a posterior homologação pelo Fisco.
Em suma, na compensação, ao Judiciário cabe exclusivamente a declaração da certeza do indébito e, nesse ínterim, o novo Código de Processo Civil, ao instituir o microssistema de formação concentrada de precedentes obrigatórios, trouxe luz para rediscutir a aplicação irrestrita do art. 170-A e da Súmula 212 do STJ.
Assim, nas hipóteses previstas no art. 927 do CPC, entre elas as decisões proferidas em demandas repetitivas, o juiz está vinculadoii à ratio decidendi e, nos termos do art. 311 do CPCiii, obrigadoiv a conceder a tutela de evidência.
Nesse contexto, mostra-se possível a compensação tributária antes do trânsito em julgado nos casos em que a tese do indébito tenha sido “firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante”, remetendo-se a análise fática (documentação comprobatória) à fiscalização do Fisco. Deste modo, acautela-se a preocupação explicitada no art. 170-A e na Súmula 212 do STJ, sem necessidade de alteração da norma, pois não se está afastando o reconhecimento prévio do direito pelo Judiciário, mas apenas reconhecendo à tutela de evidência os atributos da definitividade e certeza conferidos pelo trânsito em julgado.
Já se noticiam decisões proferidas por juízes de 1ª instância adotando esse entendimentov e se espera que ele seja ratificado pelos Tribunais, colocando em prática o sistema de precedentes, que, além de uniformizar a jurisprudência e dar celeridade aos julgamentos, reacenderá discussões sobre institutos criados sob um espectro processual totalmente distinto, obrigando os julgadores a reinterpretá-los à luz do novo CPC.
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i “(…) o pagamento, além da forma de extinção da obrigação tributária, pode ser tomado como fato propulsor da relação jurídica de débito do fisco, bastando, para tanto, que receba o qualificativo indevido”. (CONRADO. Paulo César. Compensação tributária e processo (nos termos da Lei Complementar n. 14, de 10 de janeiro de 2001. São Paulo: Ed. Max Limonad, 2003, p. 126).
ii No CPC/73, tais decisões possuíam apenas eficácia persuasiva, obstativa e autorizante, mas não vinculante.
iii Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: (…) II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; (…) Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.
iv No CPC/73, os arts. 273 e 798, que tratavam, respectivamente, da tutela antecipada satisfativa e da tutela cautelar, utilizavam o verbo “poderá”, ao contrário do verbo “será” utilizado no art. 311 do CPC/15.
v http://www.valor.com.br/legislacao/5075968/justica-autoriza-compensacao-fiscal-antes-do-fim-do-processo
Thiago José Milet Cavalcanti Ferreira – Aluno do Mestrado Profissional da FGV/Direito SP e membro do Núcleo de Direito Tributário da mesma instituição
Fonte: Jota
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