terça-feira, 26 de setembro de 2017

Comentários à Reforma Trabalhista

A reforma trabalhista começou timidamente, com um projeto de poucos artigos e se transformou numa grande mudança, não só da legislação trabalhista, mas também da estrutura do Direito do Trabalho, seus princípios e fundamentos.

Ao longo da história, tem-se percebido que alguns temas mexem mais com os sentimentos das pessoas do que outros. Isso é natural, esta é uma observação óbvia. Vivemos um momento em que a humanidade vem passando por inúmeras mudanças de paradigmas, também a sociedade brasileira. Até aí, nenhuma novidade. Todavia, de um modo geral, o que nos têm diferenciado com relação às outras sociedades é que no Brasil, não raro, as mudanças são casuísticas, além de representarem a vontade de um momentâneo grupo que se encontra, de plantão no poder, faltando-lhe, assim, a devida legitimação social material (e não formal). Esse modelo de imposição de vontade é que nos tem deixado apopléticos.

Isso é o que se tem visto com algumas das mais recentes propostas ou efetivas reformas. Temas como a reforma da previdência, fim do foro privilegiado ou a própria reforma trabalhista têm gerado inúmeras manifes­tações, ao menos do ponto de vista jornalístico e acadêmico. A sociedade, por diversas razões que não pretendo analisar neste domínio, de um modo geral, tem-se mantido distante dos debates, principalmente destes temas que aqui mencionei [1].

Não obstante, quando os temas sensíveis à sociedade são levados a discussão, as ideias são propaladas considerando-se as posições mais extremas dos especialistas. Jorge Luiz Souto Maior e Valdete Souto Severo, em recente artigo, criticaram a reforma trabalhista tal qual apresentada [2]. De outro lado, José Pastore, que integrou a Comissão Especial que analisou o PL, em artigo publicado, defendeu a sua necessidade [3]. Como se vê, independentemente do ponto de vista de cada um, o que se quer demonstrar é que temas como o que ora estamos a debater sempre materializam posições muito díspares e necessitam de um debate maior e de uma reflexão mais aprofundada, o que, infelizmente, é difícil de acontecer.

Mas há outros tantos problemas. Não é possível levantar todos, mormen­te numa obra em que se busca apenas tecer alguns breves comentários sobre uma nova lei, ainda que importantíssima, a qual trata da reforma trabalhista.

Não posso deixar de lembrar de outra questão da mais alta relevância e que vem sendo negligenciada por boa parte da doutrina nacional, que precisa, urgentemente, ser refletida, sobretudo diante dos novos paradigmas que se avultam em nosso sistema normativo.

Refiro-me ao modelo decisional. A forma interpretacional. Ora, se o direito brasileiro se fixa sobre uma construção positivista, não deveria ser muito difícil apresentar soluções judiciais para os problemas judicializados. Entretanto não é o que acontece, casos fáceis ou difíceis são resolvidos de modo complexo.

Chegamos a uma quadra da história em que as decisões judiciais são capazes de interferir e provocar impactos nas mais variadas esferas da socie­dade, afetando corporações, instituições públicas ou diretamente a todos nós.

De outro lado, a complexidade da vida contemporânea e a dificuldade de se fazer leis com boa densidade normativa acabam, diante desse contex­to, levando a decisões judiciais díspares, para casos idênticos, gerando uma verdadeira crise interpretativa.

A ideia de unificação da jurisprudência, agora tratada em recentes re­formas processuais, também não tem se mostrado suficiente para impor um modelo de superação da crise a que me refiro. Os juízes têm como função acomodar a legislação ao contexto existente dentro do sistema político e social. A dificuldade avulta-se quando pensamos que não existe uma teoria da decisão judicial.

O problema não deixa de ser relevante para o tema deste opúsculo. Tratar de uma reforma legislativa tão profunda, como é a trabalhista, pelos aspectos materiais e processuais, não é uma tarefa simples. A começar pela desconstru­ção de diversos institutos consagrados pela história brasileira. Mexeu-se com o coração do trabalhador, com os seus sentimentos, com a sua afetividade, com o seu bolso, com a sua vida social enfim. E o que é o pior: com uma legislação que é fruto de diversos casuísmos, não raro mostrando-se atécnica e irrefletida, desconsiderando o verdadeiro cenário da sociedade brasileira.

MUDAR É PRECISO.
Aliás, a vida, em pouquíssimo tempo, mudou com­pletamente, mas o processo de evolução, de boa parte das mudanças sociais que se operam no mundo, andam dentro daquilo que é aceito – e até em certa medida esperado pela sociedade mundial. Todavia, mudar mediante uma irrefletida análise das consequências que podem advir dessas mudanças é mais complicado. A tarefa afigura-se mais árdua quando se tenta escrever sobre parte dessas mudanças, ainda mais tendo sido realizadas por algumas passagens legislativas quase incompreensíveis.

Mas não é só. Ao julgar, o magistrado deve levar em consideração o impacto de sua decisão, assim considerando questões sociais, econômicas e até mesmo de governabilidade. O compromisso com as consequências de suas decisões não pode mais ser olvidado pelos juízes.

Não estou querendo dizer, com as observações que fiz até agora, que sou contra a existência de uma reforma trabalhista, tampouco que sou a favor da completa adoção do pragmatismo jurídico, adotado pela concepção pós­-virada de que nos dá notícia o seu maior arauto, Richard Posner [4].

Se por um lado, as decisões judiciais devem ser orientadas por parâ­metros legais; por outro, não se pode olvidar de que as mesmas devam ser compromissadas com as consequências sociais. E aí nasce o problema:

Como equacionar este antagonismo diante de uma legislação reformista, não raro, com passagens inconsequentes, atécnicas ou inconsistentes?

Não será fácil, ao menos nos momentos iniciais, a construção de uma lógica filosófica que possa compatibilizar o sistema.

Por mais que o legislador reformista tenha tentado, não se pode perder de vista que o Direito, como qualquer outro domínio do saber, é visto como conceito essencialmente aberto, testado e revisado continuamente.

E o que é pior: dentro de uma lógica em que se busca construir o di­reito com ênfase na coerência pautada em decisões anteriores, com elevado respeito pelo precedente, não será fácil a sua adoção, na medida em que o juiz não tem esse substrato pretérito fundante, considerando-se um cenário completamente novo. Portanto, suas decisões deverão ser pautadas com olhar para as implicações futuras.

Não me causará estranheza, diante dessas premissas, que o juiz inclua, em seu processo decisório, ferramentas metodológicas de outras áreas do conhecimento, de modo que se possa alcançar, com bases seguras, a solução mais equilibrada.

Quais seriam os critérios então? Será que o juiz levará em consideração a maior quantidade de consequência de suas decisões para se chegar a uma solução mais satisfatória para o problema que tem em suas mãos, ou levará em consideração critérios como razoabilidade, proporcionalidade, entre outros?

O dissenso que se estabelecerá num primeiro momento servirá para demonstrar a indeterminabilidade do direito sob análise judicial e, conse­quentemente, se colocará em dúvida a possibilidade de obtenção de uma resposta correta, o que nos leva a dizer que as respostas serão apenas razoá­veis. Enfim, são problemas de que não podemos nos esquivar, e, por via de consequência, para os quais busco a análise da parte processual da reforma levando em consideração boa parte das premissas mencionadas.

Convido, portanto, o leitor, para uma reflexão acerca da reforma trabalhista com viés para as questões processuais ou temas heterotópicos.

Avancemos!

por Vólia Bomfim e Leonardo Dias Borges

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