sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Respeite-se a Constituição!

De forma inacreditável, a Lei nº 13.606, de 09/01/2018, autorizou a Fazenda Pública a tornar indisponíveis bens de propriedade de seu devedor, independente de prévia autorização judicial. A partir da edição dessa lei, a Fazenda Pública detém a prerrogativa de averbar a certidão de dívida ativa (CDA) nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, gerando a indisponibilidade dos bens do devedor.

Em outras palavras, criou-se a possibilidade de a própria parte credora praticar atos executivos contra o patrimônio de seu devedor, sem a necessidade de ação judicial. Ainda que a CDA confira certeza sobre a existência do crédito à Fazenda Pública – por sua natureza de título executivo extrajudicial (artigo 784, inciso IX, do Código de Processo Civil) – não há justificativa para o legislador infraconstitucional conceder tamanha prerrogativa.

A indisponibilidade é forma de privação dos bens do devedor. E a Constituição Federal, (artigo 5º, inciso LIV), dispõe que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Sob qualquer enfoque que se analise a questão, a prerrogativa concedida à Fazenda Pública, prevista na nova lei, não respeita o princípio do devido processo legal, sendo inconstitucional.


Nos últimos anos, o legislador positivou várias medidas para viabilizar a recuperação do crédito de forma mais ágil e eficaz. Cite-se a possibilidade de protesto da decisão judicial transitada em julgado; a adoção de medidas executivas atípicas contra o devedor e o aprimoramento do sistema de penhora online, entre outras.

Todas devem ser analisadas por magistrado e deferidas no âmbito de ação judicial. O legislador da Lei nº 13.606 pecou justamente em relação a esse aspecto, ao permitir à Fazenda Pública a prática de ato executivo – indisponibilidade dos bens do devedor – sem o prévio crivo de magistrado. A intenção pode até ter sido boa, mas é inconstitucional. O direito do devedor ao devido processo legal deve ser respeitado.

Henrique B. Souto Maior Baião é advogado e professor universitário.

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