quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Nova reforma regulatória?

Não é de hoje que se discute uma "nova reforma regulatória", com a possibilidade de reforma administrativa do Estado brasileiro e da desejável revitalização do papel das agências reguladoras, tudo isso com o intuito de aproximar a nossa estrutura jurídico-regulatória às melhores práticas internacionais.

No início deste ano, elogiou-se a inclusão de um dispositivo na então Medida Provisória nº 727, que criou o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), no qual se estabelecia a obrigatoriedade de as agências reguladoras promoverem uma Análise de Impacto Regulatório (AIR) antes da edição ou alteração de normas regulatórias. Naquele momento, quiçá mirando uma reforma mais ampla e não parcial, o governo optou por retirar esse artigo da redação final quando de sua conversão na Lei Federal nº 13.334/2016.

Nesse contexto, é importante lembrar que a AIR serve a um duplo propósito (visão macro): reduzir o déficit democrático decorrente do exercício de uma atividade normativa por uma entidade não eleita por sufrágio universal, bem como prestigiar o princípio da transparência regulatória, o que, ao fim e ao cabo, propicia o controle pela sociedade.


Autonomia financeira e uniformização de procedimentos são indispensáveis para o fortalecimento do arcabouço jurídico

De janeiro até a publicação deste artigo sobre o mesmo tema, a prioridade do governo federal foi atualizada constantemente. O país passou por diversas turbulências político-institucionais, tendo o Congresso Nacional se dedicado a uma miríade de atividades estranhas à legiferante. De alguma forma, felizmente, isso não foi capaz de neutralizar por completo a intenção de parcela do governo em fortalecer o sistema regulatório brasileiro e, mais precisamente, em trazer mais transparência às atividades de nossas agências reguladoras.

A Subchefia de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais (SAG), da Casa Civil da Presidência da República, em conjunto com os Ministérios da Fazenda e do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e as dez agências reguladoras federais, conduziu um procedimento de consulta pública, encerrado em 17 de novembro, com o objetivo de receber críticas e sugestões às propostas de diretrizes gerais e roteiro analítico para a Análise de Impacto Regulatório (AIR). Essas diretrizes trazem, em apertada síntese, (i) alguns princípios da boa regulação, (ii) o conceito de AIR, (iii) quando as entidades regulatórias devem conduzir essa avaliação, (iv) os níveis de AIR, de acordo com a complexidade da matéria regulada e o princípio da proporcionalidade, (v) a participação social, dentre outros. A Avaliação de Resultado Regulatório (ARR), um instrumento de controle periódico para investigar se os objetivos regulatórios originalmente traçados foram alcançados pela norma editada, também conhecido como análise de custo-benefício ex post, consta dessas diretrizes gerais.

Estamos no caminho certo. Trata-se de um grande avanço e demonstra o compromisso institucional do Brasil com o aprimoramento do nosso sistema regulatório, essencial para continuar a atrair o capital privado estrangeiro e os necessários investimentos em infraestrutura. Mas é suficiente? Definitivamente não. A falta de um marco regulatório legal, de observância mandatória por todas as agências reguladoras, levará naturalmente à aplicação não uniforme dessas diretrizes gerais, afetando a qualidade final e a coerência regulatória.

O próprio documento disponibilizado pela SAG é denominado "guia orientativo para elaboração de Análise de Impacto Regulatório (AIR)" e deixa claro, já no capítulo introdutório, o seu caráter não vinculante. Para demonstrar um esforço de sistematização, as diretrizes gerais apontam para a sua harmonização com o Projeto de Lei nº 6.621/2016, apresentado em dezembro de 2016 pelo senador Eunício Oliveira, logo após a Medida Provisória nº 727. Este, sim, o marco regulatório faltante, que ambiciona justamente uniformizar a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das agências reguladoras em âmbito federal.

O ótimo é inimigo do bom, dizia Voltaire – e há um fundo de verdade nisso. Tal como anunciado em artigo de 04 de janeiro ("nova reforma regulatória"), a reestruturação dessas entidades regulatórias é imperativa e não pode tardar.

A efetiva autonomia financeira e a uniformização de procedimentos e instrumentos regulatórios, a exemplo da AIR e da ARR, se apresentam como condições indispensáveis para o fortalecimento do arcabouço jurídico-regulatório brasileiro e para atrair mais investimentos privados, nacionais ou estrangeiros, ao país. A iniciativa da SAG, dos ministérios e das agências reguladoras é louvável para o aprofundamento da reflexão e da cultura regulatória, mas até quando aguardaremos a efetiva nova reforma regulatória?

Fernando Villela de Andrade Vianna é sócio do Setor de Direito Administrativo, Regulatório e de Infraestrutura do Siqueira Castro – Advogados, mestre em Direito em Regulação do Comércio (Master of Laws) pela New York University (NYU).

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Por Fernando Villela de Andrade Vianna

Fonte : Valor

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