quinta-feira, 12 de abril de 2018

Efeitos da Inércia e do Decurso do Tempo: Prescrição e Decadência

O TEMPO E O EXERCÍCIO DO DIREITO

A pessoa tem de exercer e exigir seu direito em tempo razoável, máxime quando se tratar de bens econômicos. A vida social é um eterno movimento. Quem deixa inerte seu direito compromete sua inerente função social. Não há direito isolado, que possa ser usufruído apenas para si, sem consideração com o meio social, ou deixado de lado indefinidamente, sem consequência. A ordem jurídica fixa, portanto, prazos que considera adequados, dentro dos quais o titular do direito deve exercê-lo, sob pena de ficar impedido de fazê-lo ou até mesmo de perdê-lo definitivamente, por exigência de segurança do tráfico jurídico, de certeza nas relações jurídicas e de paz social, diante de representações consolidadas no tempo da estabilidade das relações jurídicas.

O tempo que afeta o exercício do direito revela-se mediante duas categorias fundamentais: a prescrição (perda do exercício do direito) e a decadência (perda do direito). Tanto em uma quanto em outra o sistema jurídico se vale de fixação de prazos variáveis, nos quais ressaltam os termos iniciais, de acordo com as circunstâncias. Por exemplo, o prazo para o direito de anular negócio jurídico em virtude de vício de vontade é de quatro anos, mas o termo inicial no caso da coação, em vez de ser a data da celebração do negócio jurídico, como nos demais casos, é o do fim da ameaça. A prescrição e a decadência também exercem função positiva, no sentido de pressão educativa contra o desleixado que deixou de exercer o seu direito em momento adequado, sendo este seu ethos maior, segundo Lehmann[1]. Porém, acima de tudo, servem à segurança jurídica e à paz pública.

A exceção são os direitos não patrimoniais, inerentes à pessoa. O tempo desses direitos é o tempo de vida da própria pessoa, porque a integram indelevelmente. Assim, os direitos da personalidade não sofrem as vicissitudes do tempo. Do mesmo modo, nas relações de direito de família. Nesse sentido, enuncia a Súmula 149 do STF que é imprescritível a pretensão de investigação de paternidade. Igualmente, decidiu o STJ que a proteção à dignidade da pessoa humana é imprescritível, em caso de dano em virtude de crime de tortura e prisão por delito de opinião durante o regime militar (REsp 959.904). Também são imprescritíveis as pretensões à decretação de nulidade, as pretensões de cessação de comunhão comum e de sua divisão, as pretensões relativas a direitos de vizinhança, as pretensões de alteração de registros de imóveis.

A distinção entre prescrição e decadência é uma das questões mais controvertidas da doutrina jurídica. Identificar o que era uma ou outra no CC de 1916 não era tarefa fácil. Em um mesmo dispositivo encontravam-se prazos decadenciais e prazos prescritivos, dificultando a aplicação do direito. O CC de 2002 optou por solução de ordem prática, enumerando taxativamente as hipóteses de prescrição e determinando que a fixação de prazo para exercício de direito, quando a norma legal não explicitar sua natureza (decadencial ou prescritivo), será decadencial. Assim, a decadência, que era excepcional no regime do Código anterior, passou a ter primazia.

Quanto ao termo decadência, Pontes de Miranda prefere as denominações preclusão e prazo preclusivo, tanto no direito material quanto no direito processual. Para ele o direito cai, não decai. Marcos Bernardes de Mello[2], por seu turno, entende que a preclusão não se confunde com a decadência, por dois aspectos: (1) a preclusão é tipicamente de direito processual; seu efeito consiste na extinção da pretensão da parte de praticar certo ato processual que não realizou no prazo; (2) a preclusão não se dá apenas pelo transcurso do prazo com inação da parte, mas também ocorre quando a parte pratica ato processual que seja incompatível com o ato atingido por ela.

Para a decadência o tempo corre independentemente de qualquer iniciativa das partes; a única atividade que impede a fluência do tempo decadencial é o exercício do direito. Na prescrição certas atividades das partes podem fazer com que o tempo transcorrido seja desconsiderado, ou retomado. A prescrição é oposta mediante exceção da parte a quem aproveita, para que o direito não possa ser exercido; a decadência enseja a defesa ou contestação e a declaração da inexistência do direito. A decadência leva à extinção do direito, da pretensão e da ação. A prescrição não extingue o direito, pois apenas prescrevem a pretensão e a ação, que ficam impedidas de ser exercidas. A prescrição pode ser renunciada, após encerrado o prazo, porque o direito permanece; a decadência não pode ser renunciada, porque não se renuncia a nada (o direito deixou de existir).

Entre vários critérios diferenciais indicados na doutrina, Orlando Gomes anota que a decadência é legal, judicial e negocial. O prazo extintivo pode, com efeito, “resultar de disposição legal, de despacho do juiz ou do acordo entre as partes, inserido no contrato como uma de suas cláusulas, como sucede nas apólices de seguro e na retrovenda em que o prazo legal é diminuído de comum acordo”[3]. A prescrição, por seu turno, é sempre legal.

Contudo, o principal elemento de discrime é o de que a decadência alcança exclusivamente os direitos potestativos – ou direitos formativos, expressão da doutrina alemã e adotada por Pontes de Miranda e Marcos Bernardes de Mello –, que não são suscetíveis de violação e não são exigíveis, daí não terem pretensão, mas que devem ser exercidos dentro de prazos razoáveis, sob pena de caírem. Já os direitos subjetivos, que supõem dever de prestação e obrigação da outra parte, podem ser violados, o que leva à prescrição da pretensão do titular contra quem os violou. Os direitos potestativos estão sujeitos a prazos decadenciais, cujo não exercício dentro deles leva à sua extinção e não apenas à ineficácia da pretensão. Os direitos potestativos não podem ser violados ou lesados, pois dependem exclusivamente da vontade de seus titulares em exercê-los, levando à sujeição do destinatário. A sujeição, segundo Chiovenda, é um estado jurídico que dispensa o concurso de vontade do sujeito, ou qualquer atitude dele (RT 744/728). O doador pode revogar a doação em virtude de ingratidão do donatário, mas terá de fazê-lo em um ano, sujeitando o donatário a essa sua decisão, sob pena de perder o direito de revogação. Quando a técnica jurídica não põe como resultado desejado a extinção do direito, e sim o encobrimento da sua eficácia, lança mão da prescrição da pretensão (Pontes de Miranda[4]). Dois exemplos podem ser esclarecedores: é de quatro anos o prazo para anular negócio jurídico por erro, facultando-se ao interessado que exerça o direito com essa finalidade (decadência), e que não envolve prestação da outra parte; é de três anos o prazo para que a vítima (titular do direito subjetivo) exija a reparação do dano (dever de prestação), de quem o causou ou que seja imputável (prescrição). No primeiro exemplo, direito potestativo típico; no segundo, direito subjetivo à incolumidade, violado.

O regime jurídico da prescrição e da decadência é fundamentalmente de direito material, razão por que seu lugar adequado é o direito civil. Todavia, seu reconhecimento em juízo é disciplinado pelo direito processual, nem sempre com observância a tal distinção, até porque há zonas de interpenetração intensa. O Código Civil também não prima por conter-se no campo do direito material, avançando em matérias típicas de direito processual, como a regra do art. 193, que estabelece poder a prescrição ser alegada em qualquer grau de jurisdição pela parte a quem aproveita.

PRESCRIÇÃO

A prescrição é “a exceção, que alguém tem, contra o que não exerceu, durante certo tempo, que alguma regra jurídica fixa, a sua pretensão ou ação” (Pontes de Miranda[5], 1974, v. 6, p. 100).

Cumpre lembrar as etapas nas quais se desdobram os efeitos dos fatos jurídicos, esquematicamente:

a) direito subjetivo ↔ dever jurídico;
↓↓

b) pretensão ↔ obrigação;
↓↓

c) ação ↔ situação de acionado.

O direito subjetivo tem como correlativo o dever jurídico. Se este não é cumprido espontaneamente, no modo e tempo determinados, nasce para o titular do direito a pretensão, que é o poder de exigir a obrigação do devedor, em que se converteu o dever jurídico. A pretensão não é direito nem ação; está entre eles. A pretensão nem sempre é coincidente com o nascimento do direito, porque pode haver adimplemento não instantâneo; o direito pode estar sujeito a termo inicial fixado para adiante, ou a condição suspensiva. Se a obrigação não é cumprida, nasce para o titular do direito, e da pretensão, a ação (material e processual).

A prescrição não alcança o direito, mas a pretensão, ou seja, a etapa da exigibilidade, quando o exercício poderia ser exigido. Em outras palavras, a prescrição não afeta o direito, e sim seu exercício. O direito permanece existente; apenas está desarmado, pois o titular não mais o pode exigir. O direito não prescreve nunca. Consequentemente, não é correto dizer “o direito está prescrito”, ou “prescrição do direito”. Tampouco prescreve diretamente a ação, pois esta não pode ser exercida materialmente (nas hipóteses em que o direito admite que o titular o faça diretamente, sem precisar ajuizar ação), ou processualmente (quando o titular do direito ajuíza a ação), pois depende da pretensão. A ação é obstada indiretamente ou por via reflexa quando há prescrição da pretensão. Não há ação quando a pretensão está prescrita. Há direitos sem pretensão porque não podem ser exigidos (exemplo: as ditas obrigações naturais), tornados, consequentemente, insuscetíveis de prescrição.

Andou melhor o CC de 2002 nessa matéria. Em vez de dizer, como fazia o CC, que prescreve a ação, o Código atual (art. 189) enuncia que, “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição”. Apenas convém ressaltar que a pretensão não se extingue, antes perdendo sua eficácia, isto é, cessa a exigibilidade que ela contém. A prescrição impede sua exigibilidade. Mais incisivo é Marcos Bernardes de Mello, ao afirmar que o legislador de 2002 cometeu duas incorreções[6]: (1) a pretensão não nasce com a violação do direito, pois é tão somente a fase de exigibilidade deste; (2) a pretensão nunca se extingue, pois “a prescrição não extingue coisa alguma”, apenas encobre a eficácia daquela.

O uso correto dos termos e dessas categorias (direito, pretensão, ação) não é apenas exigência de rigor científico. É também exigência de ordem prática. Se o direito restasse prescrito, jamais poderia ser retomado seu exercício, pois deixaria de existir. A pretensão prescrita não impede que o exercício do direito possa ser readquirido no futuro. Exemplo é a chamada dívida comum prescrita, ou seja, quando credor não cobra a dívida no prazo de dez anos e sua pretensão é alcançada pela prescrição; se o devedor, após esse prazo, pagar a dívida ao credor, não poderá pedir de volta o que pagou alegando a prescrição, pois não houve extinção do direito do credor nem da correspondente dívida.

A prescrição é de interesse público. Por essa razão, não se admite que o negócio jurídico modifique seu regime, impeça ou pré-exclua sua aplicação. A prescrição é inegociável. Não podem ser acrescidas ou reduzidas as hipóteses de sua interrupção ou suspensão. Todas as prescrições são de ordem pública, o que impede possam ser renunciadas antes que se consumem. As normas legais sobre prescrição são interpretadas de modo restritivo.

Com a prescrição da pretensão, o direito não pode mais ser exigido, porque a obrigação correspondente à pretensão ficou encoberta, juntamente com esta. Assim, na hipótese de o titular do direito (que continua existindo, apesar de prescrita a pretensão) ajuizar ação para cobrar o adimplemento da obrigação do devedor, este tem o direito de opor exceção. É a exceção da pretensão, no lugar da defesa. Não se contesta a existência do direito, mas se lhe opõe a exceção. A exceção é um contradireito, ou um poder exercido contra um direito. Por essa razão, não é correto dizer que a prescrição extingue a pretensão; opõe-se a ela, como exceção. A exceção oposta pelo beneficiário da prescrição é imprescritível: “Atingido o último momento do prazo prescricional, nasce a exceção de prescrição, que é permanente” (Pontes de Miranda[7]). A qualquer tempo em que for exigido direito cuja pretensão foi extinta, a prescrição pode ser oposta.

O art. 190 do CC estabelece que a “exceção prescreve no mesmo prazo em que a pretensão”. A exceção nele referida não é a que opõe o beneficiário da prescrição. Antônio Luís Câmara Leal já havia advertido para a distinção, esclarecendo que “quando o réu demandado pelo autor tem contra este um direito que não pode ser pleiteado por via de ação, mas somente oponível por meio de exceção, essa exceção é imprescritível, podendo ser, em qualquer tempo, alegada, desde que a ação seja proposta” [8]. É a hipótese da prescrição, pois não se constitui mediante ação, mas por força de lei. Se assim não fosse, o direito à prescrição seria inócuo, pois apenas se adquire quando o prazo desta se consuma; consequentemente, a exceção apenas quando o prazo prescritivo se consuma pode ser oposta. Diferentemente, a prescrição da exceção, aludida na norma legal, reserva-se para a hipótese em que o réu tem contra o autor um direito, cuja pretensão foi prescrita; não pode mais utilizar o direito como exceção (por exemplo, compensação de dívidas), pois esta também foi alcançada pela mesma prescrição.

Além da exceção, que substitui a contestação, a pessoa que teve sua obrigação inexigível porque foi encoberta a pretensão pode alegar a prescrição em qualquer fase do processo judicial, inclusive em grau de recurso, devendo o Poder Judiciário apreciá-la, como preliminar prejudicial da decisão de mérito. Nesse sentido, diz a lei que a prescrição pode ser alegada pela parte a quem aproveita, “em qualquer grau de jurisdição”.

A prescrição corre sem ligação subjetiva à titularidade do direito. Se há mudança do titular da pretensão não importa: o sucessor recebe a fluência do tempo, tal como vinha do autor. O tempo escoa objetivamente, sem atender a quem é, no momento, o titular da pretensão: “A prescrição iniciada contra uma pessoa continua a correr contra seu sucessor” (art. 196 do CC). É indiferente que o sucessor seja a título universal (herdeiro) ou singular (exemplo: cessionário de crédito ou de posição contratual – art. 286 do CC).

Era da tradição do direito brasileiro que o juiz não pudesse de ofício declarar a prescrição, se a parte beneficiada por ela não a alegasse. Admitia-se que a pessoa obrigada pudesse abrir mão dessa faculdade, em virtude do princípio da autonomia privada. Todavia, a Lei n. 11.280/2006, mudou radicalmente essa orientação do direito brasileiro, dentro da linha de tendência de maior atuação ativa do juiz no processo judicial, ao estabelecer que “o juiz pronunciará, de ofício, a prescrição”, revogando expressamente o art. 194 do CC, que dispunha em contrário. A prescrição, assim, deixou de ser direito individual e converteu-se em dever de natureza pública; deixou de ser exceção de direito material, de meio de defesa, como era de sua natureza. Nesta hipótese, como não é exercida pela parte a quem aproveita, deixa de ser exceção para se converter em objeção substancial, no dizer dos processualistas. Essa mudança tem sido condenada, pois violaria o princípio constitucional da liberdade do devedor de não se valer dela, ou da longa tradição do direito brasileiro e do sistema romano-germânico de se tratar de exceção, que somente assiste a quem aproveita. Outro problema trazido com o advento da Lei n. 11.280 é a conciliação de sua regra de pronunciamento de ofício pelo juiz com o art. 191 do CC, que faculta ao interessado a renúncia da prescrição.

Permanece o direito de renúncia da prescrição. Consumada a prescrição, isto é, concluído o prazo prescritivo previsto em lei, a parte beneficiada poderá abrir mão dela, renunciando expressamente ao direito de opô-la. A renúncia faz ressuscitar a obrigação, que pode ser exigível a qualquer tempo. A renúncia antecipada não é permitida. A renúncia dá-se mediante documento escrito, em juízo ou fora dele, salvo se a dívida não for revestida de forma escrita. Também é considerada renúncia (tácita) quando o beneficiado comportar-se em sentido contrário ao direito à prescrição, ou cumprir as obrigações assumidas como se ela não tivesse ocorrido. Na renúncia tácita, cabe ao credor ou titular do direito a prova de que os comportamentos do beneficiário da prescrição configuram sua renúncia. Nessas hipóteses, prevalece a autonomia privada, não podendo o juiz declarar de ofício a prescrição quando houver renúncia tácita ou expressa. Se dúvida houver quanto à renúncia, deve o juiz, antes de pronunciamento de ofício, assegurar oportunidade ao réu para que se manifeste sobre ela.

O direito à prescrição pode converter-se em dever. Ocorre em face dos representantes legais (pais, tutores, curadores, guardiães) e dos administradores de pessoas jurídicas. Para essas pessoas, em razão de gerirem interesses alheios, não é permitida a autonomia privada; sempre que se consume prescrição em benefício dos representados ou da pessoa jurídica, são obrigadas a observá-la, não podendo dar cumprimento às obrigações decorrentes, e a opor a exceção em juízo, se estas forem exigidas. Os relativamente incapazes e a pessoa jurídica têm ação de regresso contra elas se tiverem se omitido a respeito, no montante do prejuízo resultante, mas não contra os credores, pois os direitos destes não são atingidos pela prescrição. Na hipótese dos absolutamente incapazes, cabe ao Ministério Público fazê-lo, pois se trata de interesses indisponíveis (CF, art. 127).

Encontram-se na doutrina referências à suposta distinção entre prescrição extintiva e prescrição aquisitiva, terminologia viciosa que vem das Ordenações Filipinas. A dita prescrição aquisitiva teria como efeito do decurso do tempo a aquisição de direito. O único exemplo sempre referido é a usucapião, e o único ponto em comum é o decurso do tempo. Todavia, a usucapião é modo de aquisição originário da propriedade, em virtude de posse contínua em certo tempo previsto em lei. Nada tem que ver com a oposição ao exercício da pretensão, que é o campo exclusivo da prescrição.

As pretensões dos direitos da personalidade, dos demais direitos personalíssimos e dos direitos indisponíveis são imprescritíveis. Não se pode cogitar de prescrição em relação aos direitos à honra, à intimidade, à vida privada, à imagem, à identidade pessoal. O que pode ser objeto de prescrição são os efeitos patrimoniais da violação a esses direitos ou da limitação desses direitos, em situações excepcionais.

INTERRUPÇÃO E SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO

A prescrição, antes da conclusão do prazo correspondente, pode ser interrompida ou suspensa, em favor do credor ou titular do direito. As hipóteses de interrupção e suspensão são taxativamente enumeradas na lei, não podendo ser criadas, ampliadas ou suprimidas pelos sujeitos dos atos jurídicos.

A interrupção extingue a contagem do prazo, em relação ao tempo já transcorrido até a data do fato interruptivo. O tempo anterior não pode mais ser aproveitado pelo devedor beneficiado; perde-se. A partir da interrupção recomeça a contagem do prazo da prescrição, alterando-se, consequentemente, o termo inicial. Novo prazo se inicia. A interrupção gera efeitos em relação ao tempo passado e ao tempo futuro. Por exemplo, o termo inicial da prescrição da pretensão (três anos) de reparação civil é o dia em que ocorreu o dano; se tiver havido fato interruptivo ao final do primeiro ano, reabre-se o prazo de três anos a partir desse fato, apagando-se o ano já transcorrido. Ressalte-se que a interrupção do mesmo prazo prescricional apenas poderá ocorrer uma vez; se, no curso da prescrição reiniciada, surgir outro fato interruptivo, este não será considerado.

A suspensão não extingue a contagem do prazo. Quando o fato gerador da suspensão ocorrer, o transcurso do prazo ficará paralisado e será retomado tão logo aquele fato perca seu efeito. O tempo anteriormente transcorrido somar-se-á ao novo tempo até a conclusão do prazo prescricional estabelecido em lei. No exemplo referido da prescrição da pretensão de reparação civil, desaparecendo o fato suspensivo, o tempo anterior de um ano é reativado, somando-se ao novo, até completar o tempo que faltava (dois anos) para se consumar a prescrição.

São fatos ou causas interruptivas da prescrição, que podem ser promovidos por qualquer interessado, principalmente o credor:

a) o despacho do juiz que ordenar a citação do devedor beneficiário da prescrição em ação ajuizada pelo credor para exigir seu crédito ou cumprimento da obrigação. O despacho pode ser em ação principal ou em ação cautelar, preparatória daquela, com mesmo efeito interruptivo. Em relação ao CC de 1916 (art. 172), o art. 202 do CC de 2002 inovou, para beneficiar o credor, pois aquelas normas anteriores estabeleciam que o momento da interrupção fosse o da citação válida e cumprida. O devedor de má-fé utilizava-se de todos os meios para evitar a citação, quando o prazo prescritivo estava a se consumar. Segundo a norma atual, basta apenas o despacho do juiz determinando a citação, ainda que ele seja incompetente em razão da matéria. O STJ já havia consagrado o entendimento de mitigação da regra da citação cumprida, ao admitir na Súmula 106 que, proposta a ação no prazo fixado para prescrição da pretensão, a demora da citação, por morosidade da própria justiça (“motivos inerentes ao mecanismo da Justiça”), não deve prevalecer para fins de interrupção. A prescrição se interrompe ainda que a citação seja nula por vício de forma, ao contrário do entendimento doutrinário anterior, porque a causa interruptiva não é mais a citação, mas o despacho do juiz; o novo despacho que determinar seja refeita a citação não renova o termo inicial do efeito interruptivo. Eventual extinção do processo sem julgamento de mérito, após o despacho da citação, não impede que se considere interrompida a prescrição; igualmente, se houve desistência da ação, pois o ato estatal de interrupção (o despacho) já houve e não se apaga. Ainda segundo o princípio de benefício do credor, estabelece a retroação da prescrição à data do ajuizamento da ação em que figura o credor como autor; assim, determinada a citação pelo juiz, ainda que este seja incompetente para a ação, a data a ser considerada como de interrupção da prescrição é a do ajuizamento da ação. O despacho na petição de reconvenção, determinando a intimação do autor, produz o mesmo efeito interruptivo da prescrição atribuído ao despacho que ordena a citação do réu;
b) o protesto requerido ao juiz, ainda que seja incompetente, por qualquer pessoa, a partir da intimação dos destinatários, quando desejar prevenir responsabilidade, prover a conservação e ressalva de seus direitos ou manifestar qualquer intenção de modo formal. O protesto judicial “não tem efeitos que dependa de outrem; são seus. Tem por fim constituir alto (pro) a prova (testar) da intenção do agente, ou conservar algo com ela: preventivo ou não, preparatório ou não preparatório, incidente ou não incidente, o protesto pode também ser principal, autônomo, e assim estar fora de relação com outro processo. O chamado ‘protesto pela prova a ou b’ era apenas indicação das provas” (Pontes de Miranda[9]). O protesto judicial, para fins de interrupção da prescrição, há de ser válido; o protesto nulo, salvo pelo simples fato da incompetência do juízo, não interrompe;
c) o protesto do título de crédito, no cartório do registro de protestos cambiais, a partir de sua efetivação. A partir do CC ficou sem efeito a Súmula 153 do Supremo Tribunal Federal, para a qual simples protesto cambiário não interrompia a prescrição. Agora interrompe;
d) a juntada do título de crédito no processo de inventário, judicial ou extrajudicial, ou no processo de concurso de credores, nesse caso quando o devedor for insolvente. O título não é necessariamente cambial. Basta a juntada comprovada para a interrupção. A apresentação do título de crédito vencido no inventário não tem por finalidade a cobrança, mas para que seja incluído no espólio, reconhecendo-se o direito do credor e separando seu valor, produzindo-se o efeito de suspensão da prescrição. Não importa se se trata de crédito garantido com hipoteca, anticrese, penhor, caução, ou simplesmente quirografário, para efeito da interrupção;
e) o despacho que ordenar a interpelação judicial ao devedor, para ser constituído em mora, quando o vencimento da obrigação for indeterminado. Não inclui a mora constituída de pleno direito, em virtude de inadimplemento da obrigação positiva e líquida (CC, art. 397), pois independe de ato do credor. A mora de obrigação sem vencimento certo provém, além da interpelação judicial e com os efeitos desta, da citação, da intimação, da notificação ou do protesto. O art. 202 do CC reproduziu a mesma redação do CC anterior (“por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor”); todavia, em virtude do princípio do benefício do credor, essa norma há de ser interpretada sistematicamente e em harmonia com o parágrafo único do art. 397, que introduziu a possibilidade da constituição em mora mediante interpelação extrajudicial, que deve ser admitida ao lado da interpelação judicial;
f) o reconhecimento do devedor, por qualquer meio indiscutível, expresso ou tácito, judicial ou extrajudicial, de sua obrigação para com o credor. Tal ato de reconhecimento pode ser tácito ou oral. Exemplos: a consignação em pagamento, mediante depósito bancário, de parte da dívida; o pagamento de juros que supõe o reconhecimento da obrigação principal; a dação de garantia real que supõe a existência da dívida. Contudo, há de ser inequívoco e só pode partir do devedor, que demonstre convicção de que deve, sendo irrelevantes os atos do credor nesse sentido. Na dúvida não se deve interpretar que houve reconhecimento. Não há necessidade de o reconhecimento ser em ato autônomo, podendo estar contido em outro ato jurídico ou negócio jurídico.
A enumeração legal das hipóteses de interrupção é taxativa (numerus clausus), não podendo ser interpretada de modo extensivo nem ampliada por convenção das partes.

Quando houver mais de um credor, na hipótese de obrigações divisíveis, a interrupção promovida por um credor não aproveita aos demais credores que tomaram idêntica iniciativa. Se a obrigação for indivisível (o devedor só pode pagar a dívida toda a um ou a todos os credores), a interrupção promovida por um dos credores aproveita aos demais. Do mesmo modo, se a dívida for solidária, no caso de solidariedade ativa (o devedor pode pagar a dívida toda a um dos credores), a interrupção feita por um dos credores aproveita aos demais.

Em contrapartida, quando houver mais de um devedor da mesma obrigação divisível, a interrupção da prescrição em desfavor de um deles não prejudica aos demais, ou seja, a prescrição continua a correr em relação a estes. Porém, quando houver solidariedade passiva (o credor pode exigir a dívida toda de qualquer dos devedores), a interrupção contra qualquer devedor beneficia os demais, ocorrendo o mesmo com os devedores de obrigação indivisível.

A fiança é negócio jurídico acessório. Tudo o que acontecer com o negócio jurídico principal repercute nela. Assim, a interrupção da prescrição, que beneficiava o devedor, repercute na fiança. O fiador sofre a mesma perda do prazo anteriormente transcorrido.

São vários os fatos que suspendem a prescrição, impedindo que o prazo possa ter continuidade:

a) o casamento entre credor e devedor, enquanto perdurar a sociedade conjugal, ou seja, até a morte do cônjuge credor ou da anulação do casamento, ou do divórcio. É incompatível com a sociedade conjugal, por sua natureza de comunhão plena de vida, principalmente quando sujeita ao regime matrimonial de comunhão universal ou parcial, que os cônjuges litiguem reciprocamente, exigindo um do outro dívida sob risco da prescrição. A suspensão evita o choque inevitável de interesses entre os cônjuges. A sociedade conjugal também cessa com a separação de corpos, por decisão judicial, ou de fato, inclusive quando um dos cônjuges constituir com outra pessoa união estável, pois o CC não exige como pressuposto a separação formal. Se a pretensão nasce durante a sociedade conjugal, não se inicia o curso do prazo; se nasceu antes, suspende-se a contagem do prazo. Pela mesma razão, ainda que a lei apenas aluda à sociedade conjugal, não corre a prescrição entre companheiros de união estável, enquanto esta perdurar, pois é entidade familiar constitucionalmente tutelada, comunhão plena de vida e sujeita ao regime de comunhão parcial (CC, art. 1.723). Como a lei brasileira admite que a união estável se constitua quando um dos companheiros seja casado e separado de fato, essa circunstância se equipara ao fim da sociedade conjugal para efeito de encerramento da suspensão da prescrição;
b) o estado de filiação, enquanto o filho estiver submetido ao poder familiar dos pais. Neste caso, a suspensão perdura até que o filho atinja dezoito anos, ou, após os dezesseis anos, se for emancipado pelos pais, ou se casar, ou exercer emprego particular ou público efetivo, ou colar grau universitário, ou estabelecer atividade empresarial. A suspensão é recíproca, tanto do crédito dos pais em face dos filhos quanto do crédito destes em face daqueles;
c) a tutela ou a curatela, enquanto perdurar, entre tutor e tutelado, curador e curatelado, pelo evidente conflito de interesses e a situação de dependência do tutelado e curatelado;
d) a incapacidade absoluta do credor. Se a incapacidade for permanente (por exemplo, debilidade mental irreversível) a consequência será a imprescritibilidade, pouco importando, para os efeitos da lei, que o incapaz esteja representado por curador. Interpretando o alcance do CC, art. 198, I, decidiu o STJ que “conquanto a sentença de interdição tenha sido proferida em data posterior ao decurso do prazo prescricional, a suspensão deste prazo ocorre no momento em que se manifestou a incapacidade mental do indivíduo” (REsp 652.837), ou seja, o ponto de partida da suspensão não é a data da sentença judicial, mas a ocorrência do fato real da incapacidade mental;
e) a ausência do País, a serviço, do agente ou servidor público federal, estadual ou municipal, durante o período da missão oficial;
f) o período de guerra, para os militares;
g) a condição suspensiva, pois, enquanto esta perdurar, as pretensões decorrentes do negócio jurídico não podem ser exercidas;
h) o período que antecede o vencimento do prazo de suspensão, acordado entre as partes, após o que a prescrição retoma seu curso;
i) ação de evicção – enquanto não houver decisão transitada em julgado –, promovida pelo adquirente do bem contra o alienante, que alienou o que não estava em seu domínio;
j) pretensão civil dependente de sentença definitiva no juízo criminal sobre o mesmo fato. Exemplo é ação de reparação civil em virtude de crime; a prescrição apenas corre a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória criminal.

É também taxativa a enumeração legal das hipóteses de suspensão, não ensejando interpretação extensiva. O direito elenca as situações comuns da vida nas quais a pessoa fica impossibilitada de agir.

Quando há suspensão da prescrição em favor de um dos credores, em obrigação solidária (solidariedade ativa), os demais credores apenas se beneficiam dela, por extensão, se a referida obrigação é indivisível, por força de lei ou da convenção das partes. A prestação do devedor é indivisível quando não possa realizar o adimplemento parcial, recebendo quitação correspondente de um dos credores.

PRAZOS DA PRESCRIÇÃO

Os prazos de prescrição são definidos em lei; constituem reserva legal. O termo inicial de cada prazo deve considerar o momento em que se dá a pretensão, ou seja, quando o direito pode ser exigível. Computa-se o prazo a partir do dia seguinte, excluindo o dia do começo e incluindo o do vencimento, segundo a regra geral do direito civil. A doutrina admitia que as partes pudessem no negócio jurídico ampliá-los ou reduzi-los, em homenagem à autonomia privada. Neste ponto, também o CC de 2002 alterou radicalmente sua natureza, proibindo que possam fazê-lo por mútuo acordo, para mais ou para menos. Somente a lei pode fazê-lo. Considera-se nula a cláusula que modificar o prazo prescritivo. Nesse sentido, decidiu o STJ que a emissão de cheques pós-datados, ainda que seja prática costumeira, não encontra previsão legal, pois admitir que do acordo extracartular decorra a dilação do prazo prescricional importaria na alteração da natureza do cheque como ordem de pagamento à vista e na infringência do art. 192 do CC, além de violação dos princípios da literalidade e abstração (REsp 1.068.513). A redação atual do § 202 do Código Civil alemão (BGB), após a lei de modernização das obrigações de 2002, também impede a redução do prazo da prescrição, mas admite que possa ser prolongado por negócio jurídico, até trinta anos.

O curso da prescrição, isto é, da formação do prazo prescritivo, não se interrompe com a morte do titular da pretensão. O prazo continua a fluir contra seus sucessores, se estes não exercerem a pretensão. Por exemplo, prescreve em um ano a pretensão contra seguradora; o prazo que já corria contra o segurado, que deixou de exercer o direito antes de seu falecimento, por alguma razão pessoal, continua contra seus herdeiros, até completar um ano.

O prazo de prescrição das pretensões pode ser:

a) geral;
b) especial.

O prazo geral é de dez anos. É o prazo preclusivo supletivo. Quando a lei determinar que a inércia no exercício do direito gere prescrição, mas não determinar qual o prazo, remete-se para o geral, de dez anos. O CC de 2002 unificou os prazos prescricionais gerais e supletivos existentes na legislação anterior, que distinguia a prescrição das pretensões pessoais (vinte anos) e a prescrição das pretensões reais (dez anos entre presentes e quinze entre ausentes). Fê-lo bem, pois não faz sentido essa discriminação entre os exercícios de direitos pessoais e de direitos reais, além de que não mais se justifica o anterior prazo longo, ante a disseminação das comunicações na atualidade.

As obrigações pessoais em geral, especialmente as oriundas de negócios jurídicos, são remetidas ao prazo prescritivo geral, contado a partir de quando poderiam ser exigíveis. Após dez anos as pretensões das dívidas pessoais são prescritas, salvo se a lei tiver estabelecido prazo menor. Do mesmo modo, as pretensões que tenham por objeto direitos reais (propriedade, direitos reais limitados) prescrevem em dez anos, contados a partir da lesão sofrida ou do início da ausência de exercício do direito.

Os prazos prescritivos especiais estão distribuídos entre um e cinco anos. Todos os prazos inferiores a um ano, considerados de prescrição pelo anterior CC, foram convertidos em decadenciais. São prazos especiais:

a) De um ano: a pretensão dos hotéis, hospedarias, pousadas, restaurantes, a exigir os pagamentos dos hóspedes e comensais; a pretensão dos segurados contra as seguradoras, a exigir o pagamento das indenizações de seguros – exceto no caso de seguro obrigatório, que é de três anos –, a partir da data da ciência do sinistro pelo segurado ou, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que o segurado for citado para pagar a indenização proposta por terceiro prejudicado; a pretensão dos auxiliares da justiça (por exemplo, peritos) e dos titulares de serventias notariais e de registro extrajudiciais a receber seus emolumentos ou honorários; a pretensão contra os avaliadores dos bens destinados à formação do capital de sociedades anônimas; a pretensão dos credores de pessoa jurídica liquidada contra seus sócios ou acionistas, da data da liquidação.
b) De dois anos: a pretensão para cobrar pensões alimentícias, a partir da data em que se vencer cada uma; é imprescritível a pretensão a obrigação alimentícia no geral, notadamente as derivadas de relações de família e de parentesco (art. 23 da Lei n. 5.478/68), mas o é a pretensão a cada uma vencida, após dois anos. Exemplo de obrigação alimentícia, fora do direito de família, é a decorrente de homicídio, cabendo ao criminoso pagá-la às pessoas a quem o morto as devia, levando em conta a duração provável da vida da vítima.
c) De três anos: a pretensão a cobrar aluguéis de imóveis, mês a mês; a cobrar prestações de rendas que não se enquadrem nas situações anteriores; a cobrar juros ou outras prestações acessórias; a exigir de volta o proveito em enriquecimento sem causa; a reparação civil; a restituição de lucros e dividendos recebidos de má-fé, por violação da lei ou do estatuto, contra administradores, sócios, fundadores, liquidantes de pessoa jurídica, especialmente de sociedade anônima; a receber título de crédito vencido; a receber seguro obrigatório de responsabilidade civil, no qual se inclui o DPVAT, segundo o STJ (REsp 1.071.861).

A pretensão à reparação civil, em relação aos danos morais, diz respeito exclusivamente à reparação pecuniária. Os danos morais, por refletirem lesões aos direitos da personalidade, são, como estes, imprescritíveis, no que toca aos aspectos extrapatrimoniais, cuja reparação se dá mediante obrigações de fazer (exemplo, direito de resposta à ofensa publicada na mídia) e de não fazer (cessar a ameaça ou a violação). Com relação à prescrição da pretensão do consumidor para reparação dos danos causados pela aquisição ou uso de produtos, o art. 27 do CDC estabelece o prazo de cinco anos; por se tratar de lei especial, o CDC prevalece sobre o CC, ainda que este seja posterior àquele.

d) Quatro anos: a pretensão contra o tutor, relativamente ao exercício da tutela, a partir da aprovação judicial de sua prestação de contas.
e) Cinco anos: a pretensão a cobrança de dívidas com valor determinado em documento público ou particular, salvo as pretensões com prazo inferior; a cobrança dos honorários pelos profissionais liberais e autônomos; do vencedor em processo judicial a receber do vencido as despesas processuais que pagou. Com relação aos advogados, o art. 25 da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB), também estabelece o prazo de cinco anos para a prescrição da pretensão a cobrar os honorários, contado do vencimento do contrato de prestação de serviços, ou do trânsito em julgado da decisão que os fixar, ou do encerramento do serviço extrajudicial, ou da desistência ou transação na ação, ou da renúncia ou revogação da procuração judicial.
Decidiu o STJ que é de cinco anos, por força do CDC, a prescrição da pretensão por reparação dos danos por acidente aéreo, que prevalece sobre a previsão de dois anos do Código Brasileiro da Aeronáutica (REsp 1.281.090).

DECADÊNCIA

A decadência é a extinção do direito potestativo em virtude de seu não exercício durante tempo concedido pelo ordenamento jurídico. Difere da prescrição, porque esta atinge a pretensão, mas não o direito. A decadência produz, consequentemente, o mais forte efeito de desconstituição em virtude da inércia ou do não uso. O móvel principal da decadência é a extinção dos direitos potestativos ou direitos formativos, que não exigem determinada prestação, mas sujeitam a pessoa destinatária a seu exercício, como faculdade dos respectivos titulares. Consequentemente, os direitos potestativos são despidos de pretensão, “justamente porque são direitos não suscetíveis de violação, mas pode haver necessidade de prazo para o exercício deles” [10]. O direito potestativo confere ao titular um “poder” jurídico que se traduz na possibilidade de produzir efeitos jurídicos somente segundo sua vontade, afetando a esfera jurídica de outra pessoa, que tem de aceitar ou tolerar tal modificação jurídica [11]. Por exemplo, o direito de opção; o direito do confinante de assentar parede divisória até meia espessura no terreno vizinho; o direito de resolução do contrato, no caso de cláusula resolutiva expressa. Em todas essas hipóteses, não se exige do sujeito passivo prestação ou comportamento algum, ele fica em estado de sujeição ao poder jurídico do sujeito ativo. O direito potestativo pode consistir na faculdade concedida pela lei para escolher um dentre vários meios legais (o adquirente de uma coisa com defeito ou vício redibitório pode exigir a devolução do preço ou o abatimento do valor correspondente, mas terá de fazê-lo no prazo decadencial de um mês, se coisa móvel, ou de um ano, se imóvel). Mas o direito potestativo não se confunde com a mera faculdade, pois, como esclarece Agnelo Amorim Filho[12], o estado de sujeição da outra pessoa apenas existe no primeiro e não na segunda. No direito potestativo inexiste a pretensão que desafie obrigação do outro, pois o titular desse direito obtém seu interesse sem o concurso ou qualquer ação da outra parte. Assim, diz Pontes de Miranda[13] que os direitos formativos (potestativos) operam por si, sem necessidade de ato ou omissão do devedor.

A terminologia não é pacífica na doutrina. Para alguns autores, o termo correto seria preclusão, que ocorre tanto no direito material quanto no processual. O legislador nem sempre utiliza expressamente o termo decadência, preferindo referir-se genericamente a extinção ou perda de direito, ou simplesmente a um determinado prazo para exercer o direito.

A decadência, ao contrário da prescrição, pode ser objeto de convenção dos sujeitos do negócio jurídico. Se a lei não tiver estabelecido prazo decadencial para determinado direito derivado do negócio jurídico, podem os respectivos sujeitos estabelecê-la voluntariamente. É a chamada decadência convencional.

Com relação à decadência fixada em lei (decadência legal), as pessoas não têm liberdade para modificá-la. É nula a renúncia à decadência pelo titular do direito, vedando-se-lhe a autonomia privada para tanto.

O juiz é obrigado a conhecer a decadência legal – dever de ofício –, declarando-a em qualquer fase do processo judicial e, consequentemente, determinando a extinção da ação que tenha por fito exigi-lo, porque essa decisão é de mérito (CPC, art. 269, IV). O juiz, mesmo tendo havido renúncia do titular, deve proclamar a decadência. Não o pode fazer se a decadência for convencional; neste caso, depende de provocação da parte a quem aproveita em qualquer grau de jurisdição.

Em virtude de extinguir o próprio direito, a decadência também extingue simultaneamente a pretensão e a ação. Por voltar-se contra o direito, não admite possa ser interrompida ou suspensa. O tempo transcorre sem possibilidade de ser interrompido ou impedido. A decadência, dependendo exclusivamente de exercício do poder do titular, não se submete ao regime de suspensões ou interrupções ocorrente na prescrição. A única possibilidade de estancar o transcurso do prazo é o titular do direito exercê-lo, e, se não for cumprido por quem tem o dever de observá-lo, ajuizar a ação competente. O CC admite que, excepcionalmente, o prazo decadencial possa ser interrompido ou suspenso, quando lei especial expressamente assim estabelecer, o que significa dizer que é vedado às partes fazê-lo por acordo mútuo. Exemplo de norma legal que prevê a interrupção ou o impedimento para a decadência é o art. 208 do CC, que estabelece não correr a decadência contra os absolutamente incapazes, ou seja, o titular de direito enquanto perdurar sua incapacidade absoluta não perde seu direito em virtude da decadência.

Se tiver havido decadência contra direito de relativamente incapaz, em virtude de inércia de seus representantes legais (pais, tutor, curador), tem ação contra estes para ser ressarcido do prejuízo correspondente à perda do direito. Do mesmo modo, os sócios e acionistas têm ação contra os administradores que tiverem dado causa à decadência.

Ocorre a decadência sempre que a lei estabelecer prazo para o exercício do direito potestativo, ainda que sem alusão expressa a ela. Quanto menor o prazo, maior é o interesse social pela pronta segurança jurídica e estabilidade das relações. No CC e na legislação civil a decadência está disseminada, quando emerge o interesse público de não deixar o exercício sem prazo determinado. São, por exemplo, de decadência os prazos previstos no CC: de trinta dias para o comprador de coisa móvel pedir em juízo a devolução do que pagou ou o abatimento proporcional do preço, em virtude de vício redibitório (art. 445); de quatro meses para o transportador exigir indenização pelo prejuízo sofrido, em virtude de informação deficiente do remetente (art. 745); de seis meses para anular negócio jurídico em que houve conflito de interesse entre o representante e o representado (art. 119), ou para ação de responsabilidade do empreiteiro em virtude de falta de segurança e solidez da obra (art. 618), ou para ser intentada ação de anulação de casamento em virtude de incapacidade eventual de consentir, ou manifestar de modo inequívoco o consentimento (art. 1.560, I); de um ano para que o comprador proponha a ação para resolução do contrato ou abatimento proporcional do preço, quando encontrar diferença de área do imóvel adquirido superior a 5% (art. 501); de dois anos para anular casamento celebrado por autoridade incompetente (art. 1.560, II); de três anos para anular a constituição de pessoas jurídicas (art. 45), ou para anular decisões tomadas por órgãos colegiados de pessoas jurídicas (art. 48); de quatro anos para anular negócio jurídico com vício de vontade (art. 178).

Quando o direito estabelecer que determinado negócio ou ato jurídico é anulável, sem indicar prazo, este será de dois anos. É a hipótese do art. 496 do CC, o qual estabelece ser anulável a venda de bem de ascendente a descendente sem consentimento expresso dos demais descendentes. O termo inicial do prazo decadencial é o do conhecimento da conclusão do contrato. Quando houver obrigatoriedade de registro público, este será considerado, em virtude da presunção de publicidade. Não prevalece o enten­dimento anterior de alguns tribunais de ser o termo inicial o da morte do ascendente, pois nada tem que ver com a abertura da sucessão ou com litígio sobre herança de pessoa viva.

Por motivos de política legislativa ou da natureza das coisas, os termos iniciais dos prazos decadenciais variam. A decadência para anulação dos negócios jurídicos leva em conta, geralmente, a data da realização do negócio, salvo a coação, cujo prazo decadencial começa a contar a partir da cessação da ameaça. Pontes de Miranda demonstra a aparente incongruência com relação ao erro: a arguição de erro só se pode fazer, logicamente, quando se descobre o erro, pois quem ainda não o descobriu continua em erro; todavia, a lei, ao fixar o início do prazo decadencial no dia em que foi realizado o negócio jurídico, “atendeu ao que mais importa (ao ver do legislador) do que esse argumento lógico”; quem não descobriu o erro durante os quatro anos, sofra-lhe as consequências (Pontes de Miranda[14]). O mesmo ocorre com a fraude contra credores, pois estes podem não ter conhecimento dos atos de disposição dos bens do devedor durante muito tempo, mas a decadência corre contra eles desde a realização desses atos.

[1] LEHMANN, Heinrich. Parte general. Trad. Jose Maria Navas. Madrid: RDP, 1956, p. 510.
[2] MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 174 (nota 139).
[3] GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 508.
[4] PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974. v. 6, p. 131.
[5] PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974. v. 6, p. 100.
[6] MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 173 (nota 139)
[7] PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974. v. 6, p. 245.
[8] LEAL, Antônio Luís da Câmara. Da prescrição e da decadência. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 50.
[9] PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974. v. 6, p. 199.
[10] ALVES, José Carlos Moreira. A parte geral do Projeto do Código Civil. Disponível em: www.cjf.gov.br/revista/numero9/artigo1.htm.
[11] LARENZ, Karl. Derecho civil: parte general. Trad. Miguel Izquierdo y Macías-Picavea. Madrid: Edersa, 1978, p. 282.
[12] RT 744/730.
[13] PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974. v. 5, p. 453.
[14] PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974. v. 6, p. 376.

Paulo Lobo
Doutor em Direito Civil pela USP. Professor Emérito da UFAL. Professor do PPGD/UFPE. Foi Ministro do Conselho Nacional de Justiça (2005-2009)

Nenhum comentário:

Postar um comentário