A Constituição genericamente dispõe no artigo 5º, inciso LVII – “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Quer dizer que há a presunção de inocência até a decisão do último recurso cabível. Trata-se de cláusula pétrea, insusceptível de abolição por emenda, cuja modificação, a pior, somente seria possível por uma nova Constituição, elaborada pelo Poder Constituinte originário (artigo 60, § 4º, IV, CF).
Podemos estabelecer aqui uma dicotomia, mais lógica do que “fatiamento”. Teremos o trânsito em julgado material, definindo indubitavelmente a autoria e a materialidade do crime, devidamente comprovadas em suas substâncias, em primeira e segunda instâncias.
Feitas essas considerações, poder-se-ia dizer que ocorrendo o trânsito em julgado substancial, material, o conteúdo não será alterado por aspectos formais e considerando que os tribunais superiores, segundo a doutrina e a jurisprudência majoritária não têm recursos com efeitos suspensivos, conforme artigo 637 CPP e § 2º do artigo 27, da Lei n. 8.038/90, embora no processo penal possa haver outro entendimento, os condenados em segunda instância poderão iniciar o cumprimento da pena determinada no acórdão. Diz-se poderão, mas não deverão, porque em alguns casos conduzirão à injustiça, como veremos.
Ocorre que, os aspectos formais, não conducentes a uma redução da pena, provocando a execução por tempo maior do que fará o acórdão definitivo, ou, relativos à prescrição, revelam que a prisão, pelo mérito, quanto à autoria e à materialidade provadas, é justa já na 2ª instância. No caso da nulidade, da prescrição seria um privilégio, com efeito “ex nunc”, destas declarações. Lembre-se aqui os Estados Unidos relativamente à pena de morte e o direito à vida. Este é inalienável, indisponível e imprescritível, enquanto o cidadão merece. A partir daí é um privilégio que se dá ou não.
Quando as formalidades levam a um erro, “à dosimetria”, a uma interpretação, inocentando, excluindo um ou outro crime atribuído ao condenado (lavagem de dinheiro, quadrilha), reduzindo a pena, a prisão em segunda instância poderá ser injusta sendo razoável o trânsito em julgado formal na terceira e/ou quarta instância. Nestes casos cabe a cláusula pétrea da presunção de inocência, ainda que parcial, porque inocente não é mais, vez que, condenado no mérito e sujeito apenas a reduções decorrentes de formalidades e não será absolvido.
Não fere o princípio da inocência, do artigo 5º, inciso LVII, porque não possibilitando exames de provas, não permitindo o efeito suspensivo para os recursos especial e extraordinário, diante dos fatos, transitou em julgado não cabendo recursos modificadores, e com pouca probabilidade reduções ou alterações formais, não inocentarão o recorrente, apenas atenuarão.
A maior preocupação é a constante mudança de posição do Supremo Tribunal Federal, decorrente dos mesmos ministros, que modificam seus votos, gerando a insegurança jurídica e a desconfiança popular.
Não quer dizer, também, que todos os presos em 2ª instância serão soltos. Os que não recorreram continuarão presos, devido ao trânsito em julgado, e os que o fizeram dependem da periculosidade, dos crimes violentos, da sua atuação na ordem social e econômica, do respeito às ordens judiciais e ao andamento do processo que permitem a prisão preventiva e excluem a liberdade provisória (art. 5º, LXVI, CF). Entretanto, os políticos e empresários processados recorrerão com pedido para responder em liberdade até última instância material e formal e assim serão beneficiados se o Supremo Tribunal Federal generalizar o trânsito em julgado.
Caberá aos julgadores a apreciação das circunstâncias, dos fatos, do direito, para determinar a prisão em segunda instância porque transitou em julgado material, não haverá injustiça ou se permitirá recurso com efeito suspensivo porque questões formais poderão criar injustiça. A regra, nestes casos, é a prisão, mas excepcionalmente poderão ceder o recurso com efeito suspensivo, como manda a prestação jurisdicional desejada.
SP, 12-4-2018.
Dircêo Torrecillas Ramos
Prof. De Direito Constitucional da USP e Acadêmico da Academia Paulista de Letras Jurídicas.
Fonte: Harada Advogados
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