segunda-feira, 16 de abril de 2018

Como reduzir multas nos parcelamentos já feitos

"Os advogados realmente controlam o mundo. Eles têm tudo na mão: manipulam políticos, líderes religiosos, enfim, são os verdadeiros ditadores do planeta.  Do jeito que o nosso sistema judicial está hoje, um advogado tem o poder de libertar um homem culpado ou prender um inocente.”
(Al Pacino, Jornal da Tarde, 21/10/97)

Artistas sempre exageram e Al Pacino não é exceção. O que disse é verdadeiro, mas deve ser considerado pelo lado positivo: o advogado cuida do patrimônio, liberdade e honra de seu cliente, mas não é seu cúmplice.

Autoridades fazendárias, magistrados e advogados afirmam que os parcelamentos de tributos em andamento não podem ter seus valores alterados, por serem atos jurídicos perfeitos. Mas a coisa não é bem assim.

Pode e deve o Judiciário atender a pedido do contribuinte, caso o débito, ainda que confessado e já recolhidas algumas parcelas,  tenha sido apurado sem observância das normas legais em vigor e seus cálculos contenham acréscimos de multas com afronta ao texto constitucional.


Nenhuma lei, decreto ou ato administrativo tem qualquer valor se desobedecer a Constituição Federal ou leis complementares, sejam estas nacionais, estaduais ou municipais.

Não tratamos aqui da interpretação apenas analógica, subjetiva ou mesmo considerando situações específicas do contribuinte. Os instrumentos jurídicos que permitem a redução inobstante a confissão do débito encontram-se claramente nos textos legais.

O fisco recusa-se a revisar os parcelamentos administrativamente, ante as barreiras impostas pela Lei Complementar 101/2000 (responsabilidade fiscal) e também pela penúria em que se encontram os cofres públicos.

Tal penúria tem origem no comportamento dos nossos péssimos legisladores e governantes. Todos nós temos parte dessa culpa pelas péssimas escolhas feitas quando votamos. Talvez nas próximas eleições consigamos escolher melhor.

Redução do valor das multas
A multa aplicada em autos de infração muitas vezes ultrapassa o valor do imposto. Há casos em que atinge mais de dez vezes (1.000%) esse valor. Todavia, mesmo que prevista em lei, seu caráter nitidamente confiscatório  infringe o artigo 150, inciso IV da Constituição Federal:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: IV - utilizar tributo com efeito de confisco;

O fisco tem argumentado que a proibição ao confisco não atinge multas, pois essa norma da Lei Maior menciona apenas tributo. Ora, se o direito pudesse ser interpretado apenas literalmente, os julgamentos poderiam ser robotizados. Qualquer máquina, usando inteligência artificial, poderia julgar processos.

Recentemente um dos maiores bancos do país perdeu uma causa singela porque seus advogados fazem petições dessa forma. A menos, é claro, que tais causídicos não possuam qualquer inteligência ou resolveram imitar seu poderoso cliente, agindo deliberadamente com má fé.  

Jurisprudência
O Supremo Tribunal Federal decidiu no Recurso Extraordinário 582.461/SP (relator ministro Gilmar Mendes) em caso de repercussão geral, de forma unânime:

“LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. NECESSIDADE DE NOTIFICAÇÃO. CARÁTER CONFISCATÓRIO DA MULTA FISCAL. Em se tratando de débito declarado pelo próprio contribuinte, não se faz necessária sua homologação formal, motivo por que o crédito tributário se torna imediatamente exigível, independentemente de qualquer procedimento administrativo ou de notificação do sujeito. O valor da obrigação principal  deve funcionar como limitador da norma sancionatória,  de modo que a abusividade se revela nas multas arbitradas acima do montante de 100%.” (DJe-063-Divulg. 28-03-2014 = Public.31-03-2014).

O STF tem diversas outras decisões nesse mesmo sentido. Também se pronunciaram da mesma forma o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça de São Paulo.

Antecipação de tutela
Deve o contribuinte pedir antecipação de tutela para prevenir-se ante a possibilidade de protesto da dívida ou mesmo  bloqueio de contas bancárias e  ativos financeiros ou bens (veículos, imóveis etc.), evitando-se prejuízos de difícil reparação.

Nessa medida o contribuinte deve demonstrar que deseja adimplir o parcelamento dos valores legalmente devidos. Quanto ao valor da causa, pode e deve fixá-la com base no valor já excluídos os excessos da multa

Não deve ele imaginar que isso se resolve com restituição do que é indevido, pois os governos são desonestos no momento de restituir o que não lhes pertence. Basta vermos a tragédia dos precatórios.

Uma luta feroz
Apesar disso, a batalha para conseguir decisão definitiva que favoreça o contribuinte nesse caso será feroz, árdua e demorada. Mas por maior que seja a dificuldade que o advogado enfrente nessa luta, há razoáveis possibilidades de êxito ao final.

Infelizmente nossos colegas que defendem o fisco podem esquecer-se do juramento do advogado ou das normas do nosso Código de Ética e Disciplina, texto com regras que são verdadeiros imperativos categóricos.

Consideramos que a advocacia é a melhor profissão do mundo, pois nos traz felicidade e socorre a quem seja vítima de atos ilícitos ou injustos. Mas sabemos que se trata de uma profissão difícil em qualquer área do direito. Nas questões tributárias tem que estar sempre na trincheira que luta por justiça tributária.

Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

Fonte: Conjur

Nenhum comentário:

Postar um comentário