quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Problemas práticos da chegada da litigância de má-fé no processo do trabalho

1. Dever de lealdade e boa-fé processual

Uma passagem que merece elogios na reforma trabalhista é justamente a que inaugura um capítulo que trata sobre o dano processual. De forma muito precisa, o processo do trabalho passa a contar com as penas da litigância de má-fé, desejo utópico que apenas por aplicação extremamente eventual se colhia do CPC.

Embora o conceito de parte processual e de sujeito do processo seja aqui no processo do trabalho o mesmo previsto no âmbito do CPC, o fato é que até a reforma trabalhista havia imensa dificuldade de se castigar o litigante de má-fé na seara especializada.

A aplicação das penas decorrentes da litigância de má-fé eram ainda mais improváveis e remotas em relação aos comportamentos do reclamante, quando trabalhador, pois se considera que o hipossuficiente requer proteção, acesso amplo à Justiça e, desta forma, não pode quase nunca ser castigado nos termos da lei processual.

A reforma trabalhista cria capítulo específico para tratar da responsabilidade processual deixando claro e de forma expressa que também ao autor se poderá atribuir as penalidades decorrentes da litigância de má-fé.

As partes devem agir no âmbito do processo de forma prudente, honesta e proba. Não se permite a qualquer das partes atitudes desleais.

Seria mais elogiável ainda se a reforma trabalhista tivesse lembrado não apenas de impor multas e consequências para o reclamante e suas testemunhas como fez, como será visto a seguir, mas também tivesse aproveitado para dispor de forma expressa no campo da lei processual trabalhista quanto aos deveres das partes e sujeitos do processo.

Assim, seria preciso ter ido mais longe, e em vez de dar a impressão de que a norma é direcionada e foi criada para esse ou aquele polo específico da demanda, poderia ter havido um tratamento legal mais amplo, mais justo, mais completo para as posturas violadoras da boa-fé processual.

Nesse sentido, parece que seria oportuna e de bom tom a inserção na lei processual trabalhista de algo como previsto no artigo 5º do NCPC que dispõe sobre a boa-fé objetiva processual para todos aqueles que de algum modo participarem do processo, ou mesmo a enumeração dos deveres das partes e participantes do processo (art. 77 NCPC) mas assim não quis a reforma, lei 13.467/2017 e parou no meio do caminho, tratou apenas das penalidades.

Caso houvesse na lei processual trabalhista enumeração das hipóteses do artigo 77 NCPC, mais fácil seria a aplicação de figuras como o contempt ou court (incisos VI e VI do art. 77) e mesmo dos atos atentatórios à dignidade da justiça.

Continuaremos a beber da água do processo civil, nessa parte. Mas já houve pequeno avanço, algo como um alerta para os participantes do processo. Será preciso, no entanto, muita cautela e razoabilidade no trato da matéria. Não poderá haver distribuição de penas de litigância de má-fé no processo. As penalidades são analisadas de forma restrita, essa é a premissa.

2. Hipóteses específicas de litigância de má-fé

Nos termos do artigo 793-A da CLT, responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como reclamante, reclamado ou interveniente. E na sequência, surge o artigo 793-B com hipóteses taxativas em que a parte ou interveniente será considerada como litigante de má-fé.

É certo que haverá discussão quanto a possibilidade de se considerar as posturas elencadas no artigo 793-B como hipóteses exemplificativas e não taxativas, mas apenas o tempo poderá nos revelar a firmeza e aplicabilidade deste pensamento, especialmente se considerarmos o dever de boa-fé e lealdade que se espera das partes e intervenientes do processo, como se extrai do art. 77 do NCPC, a despeito de se poder assumir que referida norma não contempla de forma expressa, uma sanção para a quebra dos deveres ali elencados.

Na esfera cível, a leitura do rol como sendo exemplificativo já é defendida por parte da doutrina, como por exemplo, o Prof. Marinoni. Há, também, quem entenda ser mesmo rol taxativo, como o professor Nelson Nery a partir da compreensão de que a hermenêutica recomenda interpretação restritiva para normas restritivas de direito.

O inciso I do artigo 793-B da CLT, dispõe que será considerado litigante de má-fé aquele que deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso.

É preciso, como sugere Daniel Amorim Assumpção Neves, ter cautela na aplicação desta norma que somente pode se revelar aplicável quanto à alegações teratológicas e sem seriedade, já que o texto legal pode possuir diversas interpretações.

Na vida prática da Justiça do Trabalho um caso que poderia ser subsumido à parte final da hipótese (dedução de pedido contra fato incontroverso) seria justamente o caso emblemático do trabalhador que pleiteia verbas rescisórias e que se surpreendendo com o recibo de pagamento juntado com a defesa, ainda insiste na condenação esquivando-se de desistir do pedido, por exemplo.

É como se, de algum modo, houvesse permissão para que o empregado viesse à Justiça do Trabalho perguntar se recebeu mesmo essa ou aquela parcela, a partir da situação fática corriqueira de que a empresa também, muitas vezes, não explica ao seu empregado o que está sendo pago, não lhe entrega recibos, guias, demonstrativos, etc.

E assim, termina incentivando que ele venha para a Justiça do Trabalho perguntar e confirmar o que efetivamente foi recebido. Coloca tudo no rol de pedidos, pra garantir! Ninguém lhe disse o que foi pago efetivamente.

O inciso II pode ser ainda mais perigoso, quando considera como litigante de má-fé aquele que alterar a verdade dos fatos.

Novamente, colhendo auxílio das ideias do Prof. Daniel Amorim Assumpção Neves, tem-se que os fatos possuem diferentes versões e que somente estaria subsumido à hipóteses aquele que nega expressamente o fato que sabe ter existido, afirma fato inexistente ou emite falsa versão para fato verdadeiro.

É certo que esse é justamente o cenário que se tem na Justiça do Trabalho diariamente o que poderá levar a uma compreensão mais abrangente da hipótese, inclusive, no afã de se conferir uma moralidade ao processo.

Temos na Justiça do Trabalho, e não se pode negar, a inevitável situação em que a tese da inicial é quase que absolutamente confirmada pela testemunha trazida pela parte autora e do mesmo modo, a tese defensiva confirmada também quase que absolutamente pela testemunha trazida pela parte ré.

Alguém poderá entender que o simples fato de ter havido improcedência do pedido estaria, pois, o autor, por essa única razão, alterando a verdade do fato, e vice-versa. tanto que perdeu. É preciso cautela.

O inciso III, dispõe que será tido por litigante de má-fé aquele que usar do processo para conseguir objetivo ilegal. Aqui observa-se postura unilateral tendente a ocasionar prejuízo à parte contrária.

Já o inciso IV, reputa litigante de má-fé aquele que opõe resistência injustificada ao andamento do processo. Nessa hipótese podemos inserir, por exemplo, o réu que se escusa do recebimento da notificação por diversas vezes e nas mais variadas formas, recusando o recebimento postal e o oficial de justiça mas que com o chamado por edital, surpreendentemente termina dando o ar da graça na audiência trabalhista e quando questionado quanto ao seu endereço aponta endereço diligenciado negativamente, anteriormente.

O inciso V contempla hipótese amplamente genérica quando entende ser litigante de má-fé aquele que procede de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo. Pontua-se aqui, na doutrina, a consciência da inexistência de justificativa para o procedimento tomado. Pode-se inserir aqui, por exemplo, aquele de apresenta incontáveis contraditas contra as testemunhas da parte contrária mas desde sempre sabia que não havia fatos sérios subjacentes a referidas contraditas e também que não havia provas aptas para sua comprovação.

A apresentação de incidentes infundados também aparece no inciso VI.

Já o inciso VII contempla a hipótese de recurso protelatório, como os embargos de declaração, por vezes apresentado apenas para ganho de tempo, por exemplo, com o recolhimento do depósito recursal por parte da reclamada e não para apontar uma omissão, uma contradição ou uma obscuridade de fato constante da decisão.

É hipótese que terá maior incidência, talvez, no campo dos tribunais, ou da fase de execução, considerando o princípio da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias que deflui do artigo 893 § 1º da CLT.

3. Consequência da Litigância de má-fé

Uma vez considerada litigante de má-fé, a parte termina por atrair para si quatro consequências descritas no artigo 793-C:

Multa

A multa do litigante de má-fé será calculada com base no valor corrigido da causa e variará entre mais que 1% e menos que 10%. Não se compreende por que tão complexa faixa trazida pelo NCPC, aqui apenas reproduzida pela reforma trabalhista, lei 13.467/2017.

Ao que parece, poderá o juiz condenar o litigante em 1,1% mas não em 1% ou ser mais arrojado e forma fundamentada subir o patamar da multa para 9,9% que não poderá, contudo, ser 10%, pela redação literal e inexplicável da norma que aqui se reproduziu.

O valor da causa, como se viu, ganha contextos mais sérios pois serve como base de cálculo da multa, agora majorada em relação ao CPC/73, apenas para ficarmos com uma expressão exemplificativa do impacto do valor causa.

Doravante, não haverá mais, certamente, os valores de causa desmoralizados e desconectados que eram apelidados de valor da causa apenas para fins de alçada. A finalidade do valor causa nunca foi unicamente a alçada, e agora menos ainda, registre-se. Atire a primeira pedra quem já não presenciou o autor pretender em mesa de conciliação R$ 100.000,00 como pretensão mínima para acordo, quando atribuiu singelos R$ 30.000,00 como importe do valor da causa.

É evidente que o valor de causa mal apontado merece reparos, inclusive por iniciativa do juiz (art. 292 § 3º NCPC e IN 39/2016) e também por iniciativa da parte contrária (art. 293 NCPC) especialmente quando se pensa que dele pode advir multa astronômica para o litigante de má-fé.

Por oportuno, veja-se que muito embora sendo omissa a CLT quanto à aplicação da referida multa ao litigante de má-fé trabalhista, até a reforma, a jurisprudência do TST já a conhecia, por aplicação subsidiária do artigo 81 do NCPC (artigo 18 do CPC/73) e já deixava claro que aludida multa não se consubstancia como pressuposto processual para fins de interposição de recursos trabalhistas, entendimento que deflui da OJ 409 da SDI-1 do TST.

Indenização

Embora a indenização aplicada ao litigante de má-fé conte da lei processual civil e agora também do texto celetista, o fato é que referida indenização não conseguiu a fama entre as decisões que tratam da litigância de má-fé, nem mesmo no campo cível, como famosa ficou a aplicação multa, acima tratada.

As poucas decisões que contemplam a indenização (além da multa) enfrentam o drama da possibilidade de sua fixação independentemente de prova de prejuízo, posição de parte da doutrina, como por exemplo o Professor Bedaque, e do próprio STJ, como se colhe Informativo 565, na decisão exarada no EREsp 1.122.262-ES da relatoria do Ministro Felipe Salomão, de 04/08/2015.

Na prática trabalhista referida indenização deverá mesmo ser fixada pelo magistrado independentemente da prova de efetivos prejuízos pela parte que sofreu a postura inserida no campo da litigância de má-fé.

Há quem entenda, por aplicação do parágrafo 3º do artigo 793-C (colhido do artigo 81 do NCPC) que referida indenização poderá ter sua apuração relegada para a fase de liquidação, na modalidade arbitramento ou artigo (atualmente conhecida como liquidação pelo procedimento comum).

Honorários advocatícios

Também não é famosa a condenação em honorários advocatícios unicamente em decorrência da litigância de má-fé, apesar de expressamente contemplada na norma. Mesmo no campo cível referida parcela da penalidade não é sempre verificada.

Os que entendem ser mesmo cabível, terminam por usar o valor do dano realmente experimentado para cálculo dos honorários daí decorrentes.

Não é hipótese comum, frise-se, pois parcela da doutrina compreende que a condenação em honorários deve depender mesmo apenas do resultado do processo e não de pontos outros como a situação de condenação de umas das partes em litigância de má-fé.

despesas

Para parcela da doutrina processual, e esse também muito provavelmente terminará sendo o tom a ser conferido no campo trabalhista, as despesas processuais também estão vinculadas à hipótese de derrota no processo e não à litigância de má-fé.

4. Destinatário das penalidades impostas ao litigante de má-fé

O destinatário das penalidades acima, imposta ao litigante de má-fé, especialmente a multa, principal e mais famosa parcela aí compreendida é a parte contrária, como deflui do artigo 96 do NCPC, norma aplicável no campo trabalhista por força do artigo 769 da CLT.

5. Condenação solidária do advogado às penas da litigância de má-fé

Algumas decisões, mesmo no campo trabalhista (art. 81 NCPC e art. 769 da CLT) terminam por envolver na condenação além da parte também o advogado que lhe representa ao argumento de que o advogado também é interveniente do processo.

Num primeiro momento o pensamento que abarca também o advogado como litigante de má-fé não está incorreto, considerando que tanto o NCPC quanto a reforma trabalhista, art. 793-A tratam expressamente da condenação do interveniente e não apenas das partes.

A se conferir uma compreensão mais larga para o termo interveniente poderíamos inserir aí o advogado enquanto participante do processo.

Em arremate a essa linha de pensamento tem-se ainda o peso da norma insculpida no artigo 793-C parágrafo 1º da CLT que dispõe: quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juízo condenará cada um na proporção do seu respectivo interesse na causa ou solidariamente aqueles que se coligarem para lesar a parte contrária.

Logo, haveria, de um certo modo, fundamento legal para que a condenação envolvesse além do cliente também o advogado. Parte-se de uma compreensão ampla do termo interveniente que aliás, é fundado, inclusive, no artigo 793-D, que aplica a pena de litigante de má-fé para a testemunhas. Se a testemunha não é parte e pode ser tratada como litigante de má-fé, o advogado também o seria, ou seja, mesmo não sendo parte, poderia sofrer a condenação.

Contudo, dispõe o artigo 32 da Lei 8906/94 que: em caso de lide temerária o advogado será responsável solidário com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.

Referida norma, como se nota, exige condenação do advogado por dolo ou culpa no exercício profissional em ação própria e não incidentalmente no âmbito de uma reclamação trabalhista, entendimento que parece ser o mais razoável.

Nesse sentido, vejamos o seguinte aresto do TST:

2. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROTELATÓRIOS. APLICAÇÃO DE MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ADVOGADOS. A simples oposição de embargos de declaração protelatórios não caracteriza, por si só, litigância de má-fé a atrair a penalidade prevista no parágrafo único do art. 14 do CPC, pois a cominação correspondente reside no parágrafo único do art. 538 do CPC e, ainda, porque essa circunstância não evidencia a to atentatório ao exercício da jurisdição. Ademais, a previsão expressa no parágrafo único do art. 32 da Lei nº 8.906/94 é que a conduta temerária do advogado em juízo deve ser apurada em ação própria. Em se tratando, pois, de matéria que conta com regência específica, não cabe ao juízo a imposição, de imediato, ao profissional do Direito que protagoniza litigância temerária, da responsabilidade pelo pagamento da multa correspondente. Recurso de revista conhecido e provido. ProcessoRR 19323520105020020 1932-35.2010.5.02.0020 Orgão Julgador8ª Turma PublicaçãoDEJT 18/11/2013 RelatorDora Maria da Costa

6. Condenação da testemunha

Uma novidade da norma processual trabalhista é a possibilidade de se aplicar a multa da litigância de má-fé para a testemunha que intencionalmente altera a verdade dos fatos ou omite fatos essenciais ao julgamento da causa.

Muito embora já fosse possível aludida condenação a partir da compreensão de que a testemunha também é participante do processo, referida hipótese era mesmo apenas construção jurisprudencial tímida e sem muito sucesso no campo do processo, especialmente no campo do processo do trabalho.

Com a lei 13.467/2017, a testemunha passa a sofrer referida multa, em prol da parte contrária (muito embora isso não esteja claro na norma, ou seja, quanto ao destinatário).

Referida medida, terminará por conferir maior moralidade aos processos considerando que o compromissamento da testemunha sob as alertas do crime de falso testemunho (art. 342 CP) na maioria dos casos não eram suficientes para evitar que a verdade fosse escondida ou alterada no depoimento de uma testemunha.

É preciso, contudo, cautela na aplicação desta norma que, em sendo mal usada, terminará por banir a principal prova da Justiça do Trabalho, que é justamente a prova testemunhal, consubstanciadora do princípio da primazia da realidade.

Embora não haja clareza quanto a fase recursal, pontua-se ser possível, por aplicação do artigo 996 do NCPC que a própria testemunha apresente o seu recurso ordinário contra a decisão que lhe condena ao pagamento da multa.

Certamente haverá espaço para entendimento no sentido de que a parte que produziu a prova assim levou a testemunha acusada de litigante de má-fé, possa recorrer em seu próprio recurso em prol da testemunha considerando que, no final das contas, foi referido recorrente quem quem produziu a prova e que a condenação também a prejudica, ainda que indiretamente, o que lhe conferiria interesse recursal nessa matéria.

A execução da multa far-se-á nos próprios autos da reclamatória trabalhista e nos mesmos moldes.

Josley Soares – Juiz do Trabalho do TRT/SP. Professor de Direito e Processo do Trabalho do Curso Ênfase e Autor, palestrante

Fonte: Jota.info/

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