quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Diferenças entre a justiça dos EUA e do Brasil

Mais de 95% dos processos da área civil e penal da justiça dos Estados Unidos são negociados entre as partes e pouco menos de 5% chegam aos tribunais. A informação é de Edilson Vitorelli, doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), que atualmente é Procurador da República em Campinas/SP e professor da LFG.

 Vitorelli foi professor visitante e pesquisador da Law School das universidades norte-americanas Stanford (na Califórnia) e Harvard (em Massachusetts) e, em um post anterior, comentou algumas curiosidades sobre o jurídico dos EUA e outros países da Europa em comparação com o Brasil.

O Brasil e os EUA usam sistemas de Direito diferentes. Os norte-americanos seguem a estrutura Common Law, a mesma praticada no Reino Unido, que se baseia mais nas decisões dos tribunais. No judiciário brasileiro, o modelo aplicado é o Civil Law, apoiado pelo que estabelecem as legislações. Existem outras particularidades entre a justiça dos dois países, segundo o professor Vitorelli. Veja a seguir algumas curiosidades:

. Justiça dos EUA faz mais acordos

A maior parte dos processos da área civil e penal da justiça dos EUA é negociada. "Geralmente, o juiz julga uma média de apenas três a cinco casos em cada 100 dos que são propostos. Quase tudo acaba mesmo é em acordo. Isso não ocorre no Brasil, onde a incidência de acordos é muito baixa", compara Vitorelli.

Um dos motivos para essa prática nos EUA é o custo da justiça. Os que perdem podem ser condenados a pagar valores muito altos, fazendo com que as pessoas negociem mais.

Como reflexo disso, os casos são resolvidos mais rapidamente. De acordo com o professor, um processo considerado muito demorado por um juiz norte-americano levaria aproximadamente cinco anos para ter um desfecho final.

No Brasil, ele diz que não dá nem para fazer comparação. "Eu tenho processos da década de 70 que a gente manipula o papel com máscaras de tão antigo. Nosso problema em termos de celeridade é terrível".

. Mais habilidade em negociação

O bom advogado não é só o que domina as técnicas do Direito. Ele também precisa ser um bom negociador, uma habilidade muito exigida nos EUA, o que contribui para que a maioria dos processos termine em acordo. Lá, esse conhecimento é muito valorizado, algo que ainda é pouco explorado no Brasil, considerando-se que raramente os casos acabam em acordo.

A negociação faz parte das técnicas de mediação, conflitos e conciliação e que nos EUA já é uma regra. 

. Maior prática do princípio adversarial

Na justiça norte-americana, o processo fica a maior parte entre os advogados. Lá há uma prática maior do sistema adversarial em que o juiz fica mais afastado, deixando que o caso seja conduzido pelas partes.

Esse modelo faz com que os advogados negociem entre si a forma como a peça vai desenrolar, definindo, por exemplo, o dia que a testemunha será ouvida, algo que acontece geralmente nos escritórios. Não é comum essa prática no Brasil, país adepto do sistema inquisitorial, que exige que todas as provas sejam apresentadas na frente do juiz.

No modelo adversarial norte-americano, as partes são livres para produzir provas, o que exige mais negociação entre os envolvidos. Muitos acordos são feitos nessa etapa e os processos que vão a julgamento já chegam adiantados para o juiz.

Geralmente, no Brasil os advogados das partes não têm o hábito de se falar. Para o professor Vitorelli, a falta de diálogo é por causa da cultura de que ambos devem ser inimigos. Entretanto, ele acha esse modelo dificulta a encontrar resoluções mais rápidas para o cliente.

. Oralidade: característica forte dos julgamentos

 No Brasil, são muitos os processos que começam e terminam sem que as partes tenham contato presencial com o juiz, pois tudo é feito no papel. "Nos EUA isso é inconcebível. O julgamento acontece de forma oral. É muito importante para eles a oralidade", explica o professor da LFG.

Essa característica obriga o estudante de Direito a ser bom em oratória e ter raciocínio rápido porque tudo acontece oralmente e de forma instantânea, diferentemente do Brasil, onde o processo está sempre escrito e o advogado tem tempo para pensar, corrigir e explicar, durante sua argumentação.

"Eu diria que a exigência do advogado nos EUA é maior porque não há tempo para pensar em nada. O juiz faz perguntas oralmente e as respostas precisam ser dadas instantaneamente. O que não for respondido ali não dá mais para voltar atrás", informa ele. É possível levar algo escrito, mas Vitorelli afirma que não dá tempo de consultar o texto e responder.

No Brasil, por exemplo, em um processo civil, em regra, há um prazo de dois dias para que seja feita a manifestação.  Comparado com a justiça dos EUA, Vitorelli diz que é muito tempo para pesquisar, conversar com outras pessoas e pedir ajuda.

. Ensaio prévio dos julgamentos

Além de desenvolver a oralidade, os advogados norte-americanos fazem muitas simulações nos escritórios do que pode acontecer nos julgamentos. 

Vitorelli descreve os chamados ensaios como peças de teatro, com representações do papel do juiz, do réu, testemunhas e do advogado. No Brasil, esse trabalho não faz muito sentido porque há mais tempo para a preparação no tribunal.

. Debate produtivo com juiz

A sustentação oral feita pelos advogados aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que geralmente acompanhamos pela TV Justiça, em forma de discurso, acontece nos EUA como se fosse um debate. É como um diálogo em que o juiz faz perguntas e o advogado responde. 

O magistrado tira todas as dúvidas durante a argumentação. Ele não espera ouvir todo o discurso para falar somente no final. É um formato, que na opinião de Vitorelli, é muito mais dinâmico que o modelo do Brasil.

Essas são apenas algumas das particularidades entre a justiça do Brasil e dos EUA.

Fonte: LFG

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