A Lei n.º 13.467 de 13 de julho de 2017, que altera a Consolidação da Leis do Trabalho – CLT, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho, implementou importantes e profundas modificações ao incluir o artigo 11-A na Consolidação das Leis do Trabalho e prever expressamente a aplicação da prescrição intercorrente no processo do trabalho.
Essa nova previsão legal, todavia, ainda será objeto de muitas controvérsias diante das particularidades do direito processual do trabalho e do impacto que a sua utilização resultará na execução trabalhista.
O objetivo do presente estudo é analisar o instituto, identificar alguns aspectos controversos e apresentar algumas possibilidades para a sua solução.
A matéria prescrição está prevista na CF/88 e na CLT e, ainda, na legislação esparsa, por expressa permissão legal contida no § 1º do artigo 8º da CLT, desde que a fonte de direito comum não seja incompatível com os princípios norteadores do Direito do Trabalho.
Nos termos do artigo 189 do Código Civil, violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição. O mesmo artigo 189 do Código Civil prevê deverá ser verificado alguns prazos, para o titular do direito violado e quando não verificado o prazo estabelecido, resulta na sua extinção, pela prescrição. Diante dessas disposições, a doutrina majoritária entende que a prescrição é instituto de natureza material, e não processual, já que é fato jurídico extintivo da pretensão a que se refere o direito material, e não do direito de ação regularmente exercido.
A prescrição trabalhista está prevista no inciso XXIX do artigo 7º da Constituição Federal e no caput do artigo 11 da CLT, limitando a pretensão quanto a créditos resultantes das relações de trabalho em cinco anos e o seu ajuizamento até o limite de dois anos, após a extinção do contrato de trabalho. Proposta a ação, está interrompida a prescrição (inc. I do artigo 202 do CC, § 3º do artigo 11 da CLT e Súmula n.º 268 do TST).
A Reforma Trabalhista em relação a matéria prescrição, ao incluir o § 2º do artigo 11 da CLT, reconhece explicitamente a distinção que já era observada pela jurisprudência, entre a prescrição parcial e total da pretensão, na Súmula 294 do TST.
Já a inserção do § 3º do artigo 11 da CLT, traz modificações altamente restritivas no regime legal da prescrição, eis que dispõe que a “… interrupção somente ocorrerá pelo ajuizamento de reclamação trabalhista …”. Segundo o disposto no § 3º do artigo 11 da CLT, os demais mecanismos previstos no artigo 202 do Código Civil não mais poderiam ser alegados na esfera trabalhista.
Mas a maior alteração na matéria foi a inserção da prescrição intercorrente no processo do trabalho. Nos termos do artigo 11-A da Consolidação das Leis do Trabalho, incluído pela Lei n.º 13.467/17:
“Art. 11-A. Ocorre a prescrição intercorrente no processo do trabalho no prazo de dois anos.
§ 1° A fluência do prazo prescricional intercorrente inicia-se quando o exequente deixa de cumprir determinação judicial no curso da execução.
§ 2° A declaração da prescrição intercorrente pode ser requerida ou declarada de ofício em qualquer grau de jurisdição.”
2 – EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA TRABALHISTA SOBRE O TEMA
A prescrição intercorrente era objeto de grandes discussões na doutrina e na jurisprudência, em especial nos tribunais superiores diante da existência da Súmula 327 do E. STF que admitia a sua aplicação e da Súmula 114 do E. TST que, em sentido contrário, vedava a sua aplicação no processo do trabalho.
A jurisprudência, diante da disparidade de entendimentos, utilizou diversos argumentos ora para decidir pelo seu cabimento, ora para afastar a sua aplicação. A aplicação da prescrição intercorrente era fundamentada, basicamente, na Súmula 327 do E. STF. Para fundamentar a não aplicabilidade da prescrição intercorrente no processo do trabalho, os argumentos invocados eram: a Súmula 114 do E. TST, a execução trabalhista era promovida de ofício pelo Juiz do Trabalho; deveria ser observado o princípio protetor, os créditos trabalhistas possuem natureza alimentar, os créditos trabalhistas são irrenunciáveis e no processo do trabalho ainda vigorava oius postulandi, não podendo ser aplicada.
O Tribunal Superior do Trabalho, também se pronunciou no sentido da inaplicabilidade da prescrição intercorrente prevista nos artigos 921, § 4º e 5º, e 924, V do CPC, por incompatibilidade com o processo trabalhista, através de edição da Instrução Normativa 39/2016, em seu artigo 2º, inciso VIII.
A reforma trabalhista, além de expressamente prever o cabimento da prescrição intercorrente, mitigou o princípio do impulso oficial, diante da nova redação do artigo 878 da CLT, que dispõe que “a execução será promovida pelas partes, permitida a execução de ofício pelo juiz ou pelo Presidente do Tribunal apenas nos casos em que as partes não estiverem representadas por advogado.” Dessa forma, o impulso oficial agora ficou limitado ao exequente que estiver sem advogado, não sendo mais possível a utilização do argumento da existência do impulso oficial na Justiça do Trabalho.
Aos que defendem a não aplicabilidade da prescrição intercorrente trabalhista, após a reforma trabalhista, restou tão somente a possibilidade de alegar o princípio protetor, que os créditos trabalhistas possuem natureza alimentar, que os créditos trabalhistas são irrenunciáveis e a manutenção do ius postulandi da parte na execução trabalhista, como argumento para impedir o seu reconhecimento.
3 – FLUÊNCIA DO PRAZO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE
A prescrição intercorrente se dá no curso do processo, após a propositura da ação, mais especificamente na fase de execução e após o exequente deixar de cumprir uma determinação judicial. O Professor Homero Batista, quanto à denominação do instituto, ressalta que “o nome correto seria prescrição intracorrente ou, mais precisamente, prescrição de pretensão executiva.”
Na fase de conhecimento, se houver inércia do reclamante após determinação legal, a penalidade prevista pelo legislador para aquele que abandona a causa será a extinção do processo sem resolução de mérito (arts. 732, 844 da CLT e art. 485, III do CPC).
Resta saber qual determinação legal será considerada apta a resultar a fluência do prazo da prescrição intercorrente. Assim como a doutrina majoritária, entendemos que a prescrição intercorrente somente poderá ser declarada na hipótese em que o ato a ser praticado dependa exclusivamente o exequente, não podendo ser suprido de ofício pelo juiz. São inúmeras hipóteses em que o exequente poderá deixar de cumprir uma determinação judicial e o ato praticado não dependa exclusivamente dele, como por exemplo: a alteração do advogado do exequente, não se saber do paradeiro do executado, haja dificuldade em se encontrar bens ou valores em nome do executado, existam incidentes processuais, etc. Por outro lado, alguns atos, dependem exclusivamente da ação da parte e poderão resultar na fluência do prazo para a prescrição intercorrente, como por exemplo: não iniciar à execução, não liquidar a sentença, não fornecer as informações necessárias para o registro da penhora, entre outros.
O Professor Homero Batista entende que também não devem gerar a prescrição intercorrente o cálculo de liquidação por entender que ele pode ser desenvolvido pelo próprio devedor ou pelo magistrado e diante da determinação do cumprimento de despachos genéricos, que poderiam servir para qualquer etapa ou classe processual, como “requeira o quê de direito” ou “diga o autor” eis que o fato de esses despachos serem utilizados de maneira indiscriminada, talvez apenas para melhorar as estatísticas da Vara Trabalhista, não autoriza a punição da parte com a prescrição intercorrente pelo descumprimento daquilo que nem ao menos tinha clareza.”
Mauri Schiavi, sobre o tema, acrescenta que “quando o executado não possuir bens penhoráveis, ou não for localizado, pensamos que as providências preliminares do artigo 921 do CPC (suspensão da execução por um ano, sem manifestação do exequente), devem ser aplicadas pela Justiça do Trabalho antes do início da fluência do prazo prescricional.”
Apesar da redação do § 2º do artigo 11-A dispor que a “declaração da prescrição intercorrente pode ser requerida ou declarada de ofício em qualquer grau de jurisdição”, já é pacífico na doutrina que deverá ser observado um amplo contraditório por parte do exequente, parte que será prejudicada com a declaração.
4 – DIREITO INTERTEMPORAL
Conforme o disposto no artigo 876 da CLT, as “decisões passadas em julgado ou das quais não tenha havido recurso com efeito suspensivo; os acordos, quando não cumprido, os termos de ajuste de conduta firmados perante o Ministério Público do Trabalho e os termos de conciliação firmados perante as Comissões de Conciliação Prévia serão executados (…)”. Dessa forma, em sua grande maioria a execução trabalhista decorre do cumprimento de um título executivo de uma decisão judicial transitada em julgado.
Se esse título executivo estiver sob a vigência da lei anterior à Reforma Trabalhista, entendemos que ele estará imune aos efeitos da prescrição intercorrente, eis que foi outorgado ao credor trabalhista um título executivo imprescritível, conforme entendimento vigente e fundamentado na Súmula 114 do Tribunal Superior do Trabalho.
No mesmo sentido certamente será o entendimento do E. Tribunal Superior do Trabalho, pois se manifestou anteriormente através da Instrução Normativa 39/2016 que dispunha sobre as normas do Código de Processo Civil de 2015 aplicáveis e inaplicáveis ao Processo do Trabalho. Nos termos do inciso VIII do artigo 2º da Instrução Normativa 39/2016 ficou expresso que não se aplicam ao Processo do Trabalho, em razão de inexistência de omissão ou por incompatibilidade os “arts. 921, §§ 4º e 5º, e 924, V (prescrição intercorrente)”.
Além disso, a prescrição intercorrente é instituto de direito material e sua aplicação intertemporal está prevista no artigo 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que dispõe que: “a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.” A aplicação da prescrição intercorrente antes da Reforma Trabalhista não era observada, por força da Súmula 114 do TST, que entendia ser inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente. Dessa forma, para as execuções em andamento, o início da contagem da prescrição intercorrente ocorrerá após a vigência da Lei 13.467/2017.
No mesmo sentido é a regra constante no artigo 1.056 do Código de Processo Civil, que na ocorrência prescrição intercorrente, expressamente previu que será considerado como termo inicial do prazo, inclusive para as execuções em curso, a data da sua vigência.
Outro argumento no sentido de que a prescrição intercorrente não poderá ser aplicada aos processos em cumprimento de sentença, que já tenha transitado em julgado, é o de que de acordo com a teoria do isolamento dos atos processuais se houve o descumprimento de uma determinação judicial antes da vigência da Lei 13.467/2017, ainda não havia a possibilidade dessa conduta ter como resultado a prescrição intercorrente. Somente após o descumprimento de uma nova determinação judicial proferida após a vigência da Lei 13.467/2017, é que haveria a possibilidade do ato ter como resultado a prescrição intercorrente.
No mais, sendo regra restritiva de direito, o entendimento que deverá prevalecer na jurisprudência é o de que a prescrição intercorrente somente poderá ser aplicada a partir da vigência da Lei 13.467/17, não tendo efeito retroativo.
Dessa forma, por todos os argumentos mencionados, entendemos que a prescrição trabalhista é inaplicável para os processos que já se encontravam em execução, exceto se houver o descumprimento de uma nova determinação judicial proferida após a vigência da Lei 13.467/2017.
A prescrição intercorrente longe de ser uma solução para a execução trabalhista, mostra-se mais um retrocesso para a completa prestação jurisdicional. Apesar de verificarmos execuções que se estendem por anos sem que o crédito trabalhista seja alcançado, o fato de aplicar a prescrição intercorrente aos processos trabalhistas, no curto espaço de tempo de dois anos, longe de trazer efetividade ao processo, ao que nos parece, aumentará as estatísticas de credores impossibilitados de receber o crédito trabalhista resultante de seu direito. Sobre o tema, o Professor Homero Batista observa que verificamos “… a constrangedora estatística de 70% de congestionamento de execução – em outras palavras, sete em cada dez trabalhadores “ganham e não levam”… .”
5 – CONCLUSÃO
Após a Lei n.º 13.467, de 13 de julho de 2017, incluir o artigo 11-A a Consolidação das Leis do Trabalho e prever expressamente a prescrição intercorrente no processo do trabalho, o tema resta pacificado na doutrina e na jurisprudência, sendo abandonado o entendimento da Súmula 114 do E. TST que vedava a sua aplicação.
Sendo um instituto de direito material e uma regra restritiva de direito, o entendimento que deverá prevalecer na jurisprudência é o de que a prescrição intercorrente somente poderá ser aplicada a partir da vigência da Lei 13.467/17, não tendo efeito retroativo.
Verificamos decisões recentes aplicando a prescrição intercorrente no processo do trabalho por decurso do prazo de dois anos: quando o exequente intimado a indicar meios para o prosseguimento da execução manifestou-se requerendo convênios já utilizados pelo juízo de ofício, não se manifestou após despachos genéricos como o “requeira o quê de direito” ou “diga o autor” e até mesmo sem que houvesse uma nova determinação judicial, após a Reforma Trabalhista, causando prejuízos de impossível reparação ao credor. A prescrição intercorrente como está sendo aplicada, longe de ser uma solução para a execução trabalhista, mostra-se mais um retrocesso para a completa prestação jurisdicional.
Apesar de verificarmos execuções que se estendem por anos sem que o crédito trabalhista seja alcançado, o fato de aplicar a prescrição intercorrente aos processos trabalhistas, no curto espaço de tempo de dois anos, longe de trazer efetividade ao processo, ao que nos parece, aumentará as estatísticas de credores impossibilitados de receber o crédito trabalhista resultante de seu direito.
As decisões encontradas até o presente momento, a respeito do tema, ainda não são suficientes para afastar a incerteza quanto a aplicação da prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho. Até que haja uma definição sobre o tema, devemos ter cautela e acompanhar toda a evolução doutrinária e jurisprudencial. O poder judiciário é que poderá uniformizar a jurisprudência, para que só então o jurisdicionado consiga uma prestação jurisdicional com a segurança jurídica necessária.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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(*) Maria Ivone Fortunato Laraia é Especialista e Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professora de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho da PUC-SP, no curso de Especialização. Advogada trabalhista.
Fonte: JOTA, por Maria Ivone Fortunato Laraia (*), 21.05.2018
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