quarta-feira, 16 de maio de 2018

Diferença entre limitação administrativa e desapropriação indireta

Sumario: 1 Introdução. 2 Conceitos. 2.1 Conceito de limitação administrativa. 2.2 Conceito de desapropriação indireta.  3 O caráter genérico da limitação administrativa. 4 Diferentes espécies de limitação administrativa. 5 Posição da jurisprudência. 6 Tendência de equiparação da desapropriação indireta à limitação administrativa. 7 Conclusões.

1. Introdução
É importante distinguir a limitação administrativa que a doutrina vigorante afirma o seu caráter de gratuidade, da desapropriação indireta sempre passível de indenização consoante indiscrepante pronunciamento doutrinário. Muitas vezes, a limitação administrativa de natureza ambiental pode implicar interdição total do uso da propriedade, diferentemente da limitação de natureza urbanística sempre circunscrita a uma parte da propriedade. Daí a importância de conceituar um e outro instituto jurídico como adiante veremos.

2. Conceitos
2.1 conceito de limitação administrativa

Limitação administrativa outra coisa não é senão uma imposição de ordem pública genérica, fundada no poder de polícia do Estado, restringindo, com base na lei, o exercício do direito de propriedade no interesse da coletividade. Apesar da denominação, a limitação só pode ser estabelecida por lei em sentido estrito. Daí a impropriedade da denominação limitação administrativa. A Administração limita-se a zelar pela observância das limitações estabelecidas em lei. No caso de servidão administrativa, o Decreto limita-se a apontar concretamente o imóvel a ser gravado.

Os administrativistas em geral posicionam-se dentro dessa conceituação. Senão vejamos.

Para Maria Sylvia Zanella di Pietro, as limitações administrativas podem “ser definidas como medidas de caráter geral, impostas com fundamento no poder de polícia do Estado, gerando para os proprietários obrigações positivas ou negativas, com o fim de condicionar o exercício do direito de propriedade ao bem-estar social.” [1]

Diógenes Gasparini afirma que é “toda imposição do Estado de caráter geral, que condiciona direitos dominiais do proprietário, independentemente de qualquer indenização.” [2]

Celso Antonio Bandeira de Mello distingue limitação administrativa da servidão administrativa. “Enquanto, por meio de limitações, o uso da propriedade ou da liberdade é condicionado pela Administração para que se mantenha dentro da esfera correspondente ao desenho legal do direito, na servidão há um verdadeiro sacrifício, conquanto parcial, do direito” Para ele “servidão administrativa é o direito real que assujeita um bem a suportar uma utilidade pública, por força da qual ficam afetados parcialmente os poderes do proprietário quanto ao seu uso ou gozo.” [3]

Por fim, o saudoso municipalista brasileiro, Hely Lopes Meirelles afirma que “limitação administrativa é toda imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem pública condicionadora do exercício de direitos ou de atividades particulares às exigências do bem-estar social,” [4]

Nenhuma dessas conceituações implica interdição total do uso da propriedade por meio de limitações administrativas, nem mesmo a servidão administrativa que atinge parcialmente um bem determinado.

2.2 Conceito de desapropriação indireta

Consoante escrevemos a “chamada desapropriação indireta não chega a ser um instituto de direito por ser mero instrumento processual para forçar o Poder Público a indenizar o ato ilícito representado pelo desapossamento da propriedade particular, sem o devido processo legal, que é a desapropriação.” [5] Na cidade de São Paulo tornou-se comum o alargamento das vias públicas mediante ocupação administrativa dos recuos frontais de propriedades particulares situadas ao longo dessas vias públicas, quando a possibilidade de resistência dos proprietários é mínima por não lhes trazer maiores transtornos. Implantado o melhoramento público nessas condições surge a desapropriação indireta como sucedâneo de ação reivindicatória tornada impossível, dado o princípio da intangibilidade da obra pública. Nessa ação de desapropriação indireta o Poder Público que cometeu o ato ilícito é condenado ao pagamento da justa indenização segundo o mesmo procedimento regulado pela Lei de Desapropriação, Decreto-lei nº 3.365/41, como se tratasse de desapropriação regular.

3 O caráter genérico da limitação administrativa

O caráter genérico e abstrato da restrição imposta ao exercício do direito de propriedade por via de limitação administrativa está a apontar necessidade de lei em sentido estrito. Em segundo lugar, a generalidade da imposição estatal conduz à ideia de não indenização. Se todos devem ser indenizados segue-se que todos eles devem contribuir pecuniariamente para que o Estado possa ultimar essa indenização, o que não teria sentido algum: pagar para receber! Mas, se ao contrário, apenas alguns proprietários são atingidos pela restrição estatal, estes devem ser indenizados com os recursos provenientes de todos, sob pena de caracterizar a violação ao princípio maior da isonomia.

Daí a necessidade de examinar as diferentes modalidades ou espécies de limitação administrativa.

4. Diferentes espécies de limitação administrativa

Há um equívoco muito grande dos doutrinadores que firmam a tese pela não indenização das limitações administrativas em geral, sem exame das diferentes espécies dessas limitações que nem sempre são genéricas para abranger todos os proprietários de imóveis, principalmente, os de imóveis rurais.

Nas limitações ditadas pelo Direito Urbanístico todos os proprietários urbanos são atingidos pela Lei de Uso e Ocupação do Solo, sem exceção. Assim, são obrigatórios os recuos frontais; a observância do gabarito de construção; o respeito às diferentes zonas de uso vedando-se, por exemplo, a construção de prédios industriais/comerciais em zonas de uso exclusivamente residencial etc. Não se cogita de indenização nessas hipóteses em que as proibições são dirigidas a todos os proprietários de imóveis urbanos do Município, no interesse da sociedade local, de que são beneficiários cada um de seus integrantes.

Outro exemplo, o art. 12 do Código de Águas (Decreto nº 24.643/34) determina uma servidão de trânsito para passagem de agentes públicos na faixa de 10 m nas margens de rios navegáveis. Na verdade, é uma limitação administrativa, pois atinge a todos os proprietários que se enquadrarem na situação prevista no citado art. 12 do Código de Águas. Essa restrição não se enquadra no conceito de servidão de que trata o citado dispositivo, mas na figura de limitação administrativa não passível de indenização.   Aliás, a servidão “non  aedificandi” geralmente é constituída por escritura pública e na falta de acordo, por via de desapropriação, como é de sabência pública. Existem ainda diversas restrições previstas no Código Florestal que limitam parcialmente a utilização do solo rural, como a área de reserva florestal, as áreas em volta de lagos ou de nascentes d’água em um raio de 50 m, e outras limitações previstas nas normas do CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente criado pela Lei nº 6.938/81.

Em todos esses casos há a generalidade da imposição da restrição estatal. E o que é importante constatar, não há proibição de uso da propriedade como um todo, pois a restrição abarca apenas uma porção de cada imóvel de determinado proprietário, e mesmo assim não interdita totalmente o uso dessa área atingida. No caso de recurso frontal de 5 m nenhum proprietário perde o direito total de uso, pois ele pode executar um jardim, ou pode utilizar a área de recuo obrigatório para estacionamento de veículos sendo permitido, nesse caso, o rebaixamento da guia. Igualmente a proibição de construir prédio industrial/comercial não implica interdição do direito de edificar prédio de natureza residencial. A limitação do gabarito de construção, por sua vez, não impede a edificação do terreno nos limites da permissão legal. No caso das limitações de utilização das margens de rios, da área de reserva florestal ou em volta de lagos e nascentes apenas uma parte da propriedade é comprometida.

Contudo, é bem diferente em algumas das limitações ambientais decorrentes de implantação dos chamados “Parques Ecológicos” que atingem as zonas rurais alcançando as propriedades rurais situadas em vários municípios contíguos. Nesses casos não se pode dizer que se tratam de restrições genéricas, pois nem todos os proprietários rurais são alcançados pela restrição de natureza ambiental. E na maioria dos casos a restrição não atinge apenas parte do imóvel do proprietário, mas a sua totalidade. O proprietário rural atingido pela restrição ambiental perde por completo a disponibilidade econômica do imóvel, porque não pode cultivar, não pode extrair as riquezas naturais representadas por árvores e não pode sequer construir sua moradia. O valor da propriedade em termos comerciais passa a ser zero. Há uma verdadeira interdição de uso da propriedade, sem a sua desapropriação conforme prevista na Constituição. Isso não tem nada a ver com a limitação administrativa que a doutrina diz ser não indenizável, sob pena de atentar contra a garantia do direito de propriedade (art. 5º, XXII) com as ressalvas estabelecidas nos incisos XXIII, XXIV e XXV, do art. 5º e no art. 243 da CF.

Logo, não se pode generalizar a tese da não indenização, por se tratar de medida genérica decretada no interesse da coletividade. Não é justo, nem sustentável juridicamente, que determinado proprietário tenha que suportar a interdição de uso de sua propriedade para que os demais integrantes dessa coletividade [6] possam usufruir do bem-estar social. Essa é uma ideia que, além de injurídica, imoral e aética, atenta contra o próprio direito natural.  Que o interesse coletivo se sobrepõe ao particular é indiscutível. Por isso, não pode ele opor-se à interdição de sua propriedade, mas lhe restará o caminho da via judiciária para buscar a indenização respectiva [7] consoante escrevemos:  “toda vez que o Poder Público decretar a medida que impeça o proprietário de usufruir da propriedade por tempo ilimitado, como no caso do Decreto nº 10.251/77 do Governo do Estado de São Paulo que criou o Parque Estadual da Serra do Mar, dá ensejo à propositura de ação indenizatória.” [8]

5. Posição da jurisprudência

Transcrevamos a título ilustrativo o V. Acórdão proferido pelo TRF1 que, após distinguir a limitação administrativa da desapropriação indireta, determinou o pagamento da justa indenização citando a nossa doutrina:

Acórdão proferido pelo TRF da 1a Região, na Apelação Cível no 2001.38.00.003364-8/MG, Rel. Juiz Tourinho Neto, DJ de 28-4-2006:

RELATÓRIO

O EXMO. SR. DR. JUIZ TOURINHO NETO (RELATOR):

Cuida-se de recursos de apelação interpostos por NORWOOD LEE WAR­WICK e ANTÔNIO CARNEIRO DIAS e sua mulher, MARIA ALICE DOS SANTOS e pelo INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA contra sentença prolatada pelo MM. Juiz Federal Substituto da Seção Judiciária de Minas Gerais, Fábio Moreira Ramiro, que julgou procedente o pedido nos seguintes termos:
Em face do exposto, acolho o pedido de indenização, para condenar o IBAMA:

1) a pagar ao autor NORWOOD LEE WARWICK, pela desapropriação indireta de seu imóvel rural denominado “Mato Grande,”, situado no Município de Formoso/MG, a importância de R$ 394.000,00 (trezentos e noventa e quatro mil reais), a ser devidamente atualizada na data do efetivo pagamento (Súmula 561, STF), acrescida de juros compensatórios de 12% a.a., a partir de julho de 1995 –, cumuláveis com juros moratórios de 6% a.a., a partir de 1o de janeiro do exercício seguinte aquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100, da Carta Federal;

2) a pagar aos autores ANTÔNIO CARNEIRO DIAS e sua esposa, MARIA ALICE DOS SANTOS, pela desapropriação indireta de seus situados no Município de Formoso/MG, a importância total de R$ 671.000,00 (seiscentos e setenta e um mil reais), a ser devidamente atualizada na data do efetivo pagamento (Súmula 561, STF), acrescida de juros compensatórios de 6% a.a., a partir de julho de 1995, cumuláveis com juros moratórios de 6% a.a., a partir de 1o de julho do exercício seguinte aquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100, da Carta Federal.

Condeno, também, a autarquia a reembolsar as despesas processuais despendidas pelo autores, inclusive honorários periciais, bem como Verba honorária, que fixo, nos termos do art. 20 do CPC, impondo aos autores condenação em verba honorária, que fixo em 2% (dois por cento) sobre o valor total da indenização, incluídas as parcelas referentes aos juros compensatórios e moratórios (Súmulas 131, STJ), com fulcro no art. 20, §§ 3o e 4o do CPC, porquanto se tratou o feito de matéria de menor complexidade.

Sentença sujeita ao reexame necessário.

Alega o IBAMA que não estão preenchidos nos autos os requisitos para que se reconheça a desapropriação indireta. Aduz que a edição do Decreto Federal no 97.658/89, que criou o Parque Nacional Grande Sertão Veredas, não caracterizou ato de esbulho possessório, pois o Decreto é um ato administrativo declaratório, com a intenção de externar o propósito do Poder Público de desapropriar um certo bem imóvel. Requer, por fim, a reforma da sentença quanto ao valor da indenização, bem como quanto ao percentual de 12% fixado pelo MM. Juiz a quo (fl. 268/287).
Apelam os autores, alegando que os honorários advocatícios foram fixados sem se levar em consideração o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, bem como a natureza e importância da causa, conforme dispõe os §§ 3o e 4o do art. 20 do CPC (fls. 259/260).
Contrarrazões do IBAMA às fls. 268/270 e dos autores às fls. 289/293.
O Ministério Público Federal, pelo Procurador Regional da República José Osterno Campos de Araújo, opinou pelo conhecimento e provimento da apelação do IBAMA, restando prejudicada a apelação dos autores (fls. 298/307).
É o relatório.
V O T O

O EXMO. SR. DR. JUIZ TOURINHO NETO (RELATOR)

Apela o IBAMA contra a sentença que julgou procedente o pedido dos autores e o condenou ao pagamento de indenização no valor de R$ 1.065.000,00 (hum milhão e sessenta e cinco mil reais), pela desapropriação indireta do imóvel, com área situada dentro dos limites do Parque Nacional Grande Sertão Veredas. A questão a ser analisada consiste em averiguar se a área reservada à criação do Parque Nacional enseja ou não indenização.
Urge esclarecer que incumbe ao Estado o dever constitucional de proteger a flora e a fauna e buscar os meios necessários para se chegar ao equilíbrio ecológico. Por outro lado, não se pode olvidar que este mesmo Estado não se exonera do dever de indenizar os particulares quando, de alguma forma, sua propriedade é afetada em seu potencial econômico.

No caso em análise, a sentença recorrida encontra-se fundamentada no fato de que as restrições ao uso da propriedade particular, impostas pela administração pública para fins de proteção ambiental, constituem verdadeira apropriação indébita, passível de indenização. A respeito, disse sua excelência:

Os termos do Decreto no 97.658/89, que criou o Parque, são claros, no sentido de que se estabeleceram restrições nas propriedades por ele abrangidas, o que não é negado pelo IBAMA, quando afirma que em razão disso passou a exercer seu regulamentar poder de polícia administrativa. Outrossim, não é necessário que se configure o apossamento direito do bem, bastando que se criem limitações que impeçam totalmente o proprietário de exercer sobre o imóvel os poderes inerentes ao domínio (df. DI PETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. Atlas. 13a ed. 2001, p. 171).

De logo, advirta-se que, apesar de guardar alguma semelhança, os institutos da limitação administrativa e da desapropriação indireta trazem diferenças marcantes que influenciarão na análise de toda questão ora discutida, principalmente no que se refere à indenização. Em geral, assim vem se posicionando a doutrina acerca das limitações administrativas:

Diógenes Gasparini in Direito administrativo. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1993:

Toda limitação do Estado de caráter geral, que condiciona direitos dominiais do proprietário, independente de qualquer indenização.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro in Direito administrativo. 8a ed. São Paulo: Atlas, 1997:

As limitações podem, portanto, ser definidas como medidas de caráter geral, impostas com fundamento no poder do Estado, gerando para os proprietários obrigações positivas e negativas, com o fim de condicionar o direito de propriedade ao bem-estar social.   

Perceba-se que as limitações administrativas se diferenciam da desapropriação indireta principalmente pelo caráter geral a que submete a propriedade. Destarte, torna-se inadequado se falar em indenização quanto ao instituto da limitação administrativa, vez que não atinge o bem particular, de forma específica e individual.

De outra sorte, a desapropriação indireta caracteriza-se por ser o desapossamento de imóvel de particular sem o consentimento deste, ou seja, trata-se de um verdadeiro esbulho possessório na propriedade. O ponto crucial está em analisar se a criação de parque ecológico configura ou não o instituto. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais em geral firmou-se no sentido de proclamar a plena indenizabilidade das matas e revestimentos florestais, objeto de empossamento pelo Estado, e, de algum modo, limitadoras do uso ou fruição da propriedade.

Neste sentido, este TRF-1a Região assim decidiu:

A criação de parque nacional em terras particulares consubstancia-se em verdadeira expropriação indireta que obriga a indenização do proprietário, pelo justo preço. Precedentes (AC 2002.38.020529-2/MG, DJ 25/10/2005, p. 27, 4a Turma, Des. Federal Carlos Olavo).

Não é outro o entendimento do renomado autor Kiyoshi Harada, in: Desapropriação doutrina e prática. 5a ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 190:

Toda vez que o Poder Público decretar a medida que impeça o proprietário de usufruir da propriedade por tempo ilimitado, como no caso do Decreto no 10.251/77 do governo do Estado de São Paulo, que criou o Parque Estadual da Serra do Mar, dá ensejo à propositura de ação indenizatória. Nesse caso, atualmente, é tranquilíssima a jurisprudência do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no sentido do cabimento da indenização, porque aquela medida equivale ao apossamento administrativo:

“Se o impedimento de construção ou de desmatamento atingir a maior parte da propriedade ou a sua totalidade, deixará de ser limitação para ser interdição de uso de propriedade.”

Nesse viés, também vem se posicionando o Superior Tribunal de Justiça:

Registre-se, apenas a título de ilustração, que esta egrégia Corte Superior de Justiça pacificou o entendimento segundo o qual é devido o pagamento das indenizações relativas àqueles imóveis desapropriados devido à criação do Parque Estadual da Serra do Mar. Com efeito, não se discute, que quando a limitação administrativa causa prejuízo, deve ser indenizada, por importar em perda dos poderes inerentes ao domínio, constituindo verdadeira desapropriação indireta (Resp. 226444/SP, DJ 22.03.2004, p. 265, T2- Segunda Turma, Rel. Ministro Franciulli Netto).

Pelos entendimentos expostos, e, pela análise apurada dos fatos, deduz-se que, ao direito do Estado de constituir parques ecológicos corresponde o dever de indenizar o particular afetado no gozo e fruição de sua propriedade, pois há que se distinguir a simples limitação administrativa da supressão do direito de propriedade. A proibição imposta ao particular de desmatamento e uso da floresta que cobre a propriedade só é possível com a indenização justa, prévia e em dinheiro. Portanto, não merecem prosperar os argumentos utilizados pelo IBAMA, no sentido de que não seria devida qualquer indenização.

Da mesma forma, são infundadas as alegações do IBAMA no que se refere à prova de propriedade do imóvel. Alega, inicialmente, que os autores não provaram o domínio, a existência de apossamento administrativo e a comprovação de regularidade fiscal. Ora, meras alegações, desprovidas de qualquer comprovação, não se revelam suficientes para descaracterizarem a veracidade dos fatos trazidos pela parte.

Alega, também, o IBAMA, quanto ao valor indenizatório, a impropriedade do laudo elaborado pelo perito oficial. Mais uma vez, cabe pôr em relevo a posição deste Tribunal Regional Federal quanto a adoção do laudo do perito nomeado pelo magistrado a quo:

Pacífica a jurisprudência no sentido de que o laudo pericial deve ser adotado se realizado com base em metodologia aceita e sem vícios que lhe maculem de imprestabilidade, em razão da presunção de imparcialidade do perito (AC 2000.39.01.000345-6/PA, DJ 11/11/2005, p. 39, 3a Turma, Rel. Des. Federal Carlos Olavo).

Quanto à condenação do expropriante em juros compensatórios, a reiterada jurisprudência deste TRF – 1a Região sinaliza no sentido de que os juros compensatórios, na desapropriação indireta, serão fixados à razão de 12% (doze por cento) ao ano, incidentes a partir da ocupação e calculados sobre o valor da condenação.

Quanto aos honorários advocatícios, a jurisprudência desta 3a Turma tem se manifestado no sentido de que devem ser fixados de acordo com o § 4o do artigo 20 do CPC.

Pelo exposto, nego provimento à apelação do IBAMA e dou provimento parcial à apelação dos autores, fixando os honorários advocatícios em 3% sobre o valor total da indenização.
É o voto”.

São unânimes as decisões dos tribunais quanto  à indenização das restrições de Direito Ambiental que retiram o conteúdo econômico da totalidade da propriedade atingida.

O STF determinou a indenização do proprietário atingido pela Estação Ecológica – Reserva Florestal na Serra do Mar – Patrimônio Nacional (RE nº 134.297 – Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 22-9-95)

O STJ também tem reconhecido o direito à indenização por via de desapropriação indireta decorrente da criação do Parque Estadual da Serra do Mar, abrangendo toda a propriedade: Resp nº 27.582, DJ de 7-12-92; Resp nº 7.515, DJ de 2-8-93; Resp nº 34.006, DJ de 22-11-93; Resp nº 47.865, DJ de 5-9-94; Resp nº 39.842, DJ de 30-5-94; Resp nº 77.541, DJ de 22-4-96.

O STJ determinou, ainda, a indenização decorrente de áreas de preservação permanente previstas no art. 1º, § 2º, II do Código Florestal (Lei nº 4.771/65 então vigente) onde o proprietário é obrigado a preservar a cobertura vegetal nativa, ou se não existente, é obrigado a promover o reflorestamento (Resp. nº 1.237.071, DJe de 11-5-2011).

O E. TJESP também não se afasta do entendimento do STF e do STJ porque sempre que “o impedimento de construção ou de desmatamento atingir a maior parte da propriedade ou a sua totalidade, deixará de ser uma limitação para ser interdição de uso da propriedade”. Nesse sentido os seguintes julgados:

Ap. Civ. nº 216.461, j. em 10-8-93; Ap. Civ. nº 154.604-2, j. em 17-12-92; Ap. Civ. nº 150.395-2, j. em 11-11-89; EI nº 167.374-2, j. em 26-3-92; Ap. Civ. nº 225.061-2, j. em 24-11-94; Ap. Civ. nº 245.321-2, j. em 8-8-95; Ap. Civ. nº 2001.38.00.003364-8, DJ de 28-4-2006;

6  Tendência de equiparação da desapropriação indireta à limitação administrativa

É equivocada a tendência que se verifica na atualidade de tentar equiparar a desapropriação indireta no caso de interdição de uso da propriedade por restrições impostas pelo poder público em razão de preservação ambiental, com a figura jurídica das limitações administrativas de natureza geral impostas no interesse da coletividade. Esboça-se um movimento de retrocesso jurisprudencial retornando à velha época em que a desapropriação indireta só era cabível ante o esbulho possessório direto cometido pelo poder público mediante e ocupação física do imóvel, que é um mal menor, pois, neste caso,  o proprietário poderá até fazer uso da força física para a defesa da posse, o que não acontece com as  limitações decorrentes de leis que retiram todo o conteúdo econômico da propriedade, restando ao proprietário apenas e tão somente o direito de poeticamente ficar contemplando o desenvolvimento da flora e da fauna, agora, livres de predadores. Ao que saibamos ninguém adquire uma propriedade rural para ficar contemplando a natureza. Até nas chamadas “chácaras de recreio” existem benfeitorias (casas, piscinas, galpões etc.), jardins, pomares, hortaliças etc.

Temos razões para crer que tal mudança de posicionamento jurisprudencial tem origem nas milionárias indenizações pagas indevida e irregularmente  por conta das restrições impostas pela instituição do Parque Ecológico da Serra do Mar pelo governo do Estado de São Paulo que abarca diversos municípios contíguos. Em centenas de ações expropriatórias indiretas propostas por proprietários atingidos pela restrição houve erro crasso na avaliação e fixação da justa indenização. É que os laudos periciais, ao invés de avaliar apenas o potencial das árvores existentes avaliaram todos os  terrenos, até aqueles localizados  nos topos de morros, como se fosse possível construir alguma coisa, ou promover a exploração de natureza agropastoril nesses morros. O que é pior,  pesquisou-se os valores unitários do metro quadrado de terrenos urbanos loteados, existentes nas cercanias do Parque, e transportou-os para imóveis situados no topo de morro, cujo valor comercial é zero. Assim, os proprietários expropriados passaram a ter uma renda fabulosa que antes não tinham, transformando a desapropriação em um instrumento de aquisição de riquezas novas.[9] Temos conhecimento de um caso em que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou-se a homologar  acordo, de elevada monta, celebrado nos autos da desapropriação indireta,  cujo pedido havia sido apresentado pelo Procurador Geral do Estado.

Erros do passado deveriam ter sido corrigidos por meio de uma ação rescisória, nunca mediante alteração da jurisprudência para deixar de indenizar o proprietário atingido pela restrição ambiental que lhe interdita in totum o uso de sua propriedade. A injustiça da medida salta aos olhos de todos.

7 Conclusões

Nas limitações administrativas decorrentes de preservação ambiental impõe-se o exame de cada caso concreto. Se a restrição alcançar a totalidade do imóvel de determinado proprietário, representando uma autêntica interdição de uso da propriedade, impõe-se a respectiva indenização que pode ser perseguida por via da chamada desapropriação indireta. Inconfundíveis as figuras jurídicas da limitação administrativa genérica, onde o poder público não retira totalmente o uso da propriedade no todo ou em parte do imóvel, da desapropriação indireta, onde o proprietário tem o uso do imóvel interditado por ação do poder público (apossamento administrativo direto, ou limitação de natureza ambiental que interdita o uso da propriedade, esvaziando  totalmente o seu conteúdo econômico).

Kiyoshi Harada  - Autor de 32 obras jurídicas. Ex procurador chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

[1] Direito Administrativo, 8º ed. São Paulo: Atlas, 1997.

[2]  Direito Administrativo, 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993.

[3] Curso de  direito administrativo, 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

[4] Direito Administrativo Brasileiro, 22. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.

[5] Cf. nosso Desapropriação doutrina e prática, 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2015.

[6] No caso, a sociedade brasileira como um todo. Porém, apenas uma parte dessa sociedade global é atingida por medidas de interdição de uso de sua propriedade.

[7] Art. 5º, XXXV da CF: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

[8] Ob. cit.

[9] O pior que nenhum expropriado pagou o imposto de renda porque recebeu a título de indenização.

Nenhum comentário:

Postar um comentário