Como se sabe, a locação residencial é regulada pela Lei 8.245/1991 que dispõe sobre duas hipóteses de locação: a locação típica, por mais de 90 dias e a locação por temporada, de até 90 dias. Ocorre, porém, que muita gente associa a locação por meio da plataforma AIRBNB com a locação apresentada na segunda hipótese, o que não é correto. O artigo 1º da lei de regência consigna que outros acordos diversos dessas duas hipóteses seguem regulados pelo Código Civil ou por leis específicas:
Parágrafo único. Continuam regulados pelo Código Civil e pelas leis especiais:
a) as locações:
- de imóveis de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, de suas autarquias e fundações públicas;
- de vagas autônomas de garagem ou de espaços para estacionamento de veículos;
- de espaços destinados à publicidade;
- em apart-hotéis, hotéis – residência ou equiparados, assim considerados aqueles que prestam serviços regulares a seus usuários e como tais sejam autorizados a funcionar.
b) o arrendamento mercantil, em qualquer de suas modalidades.
As locações do AIRBNB serão reguladas pela Lei nº 11.771/2008, que trata das hospedagens para turismo, tendo em vista a exploração da unidade na modalidade de hospedagem. Cediço que na locação por curto período, por meio de aplicativos, há nítido caráter hoteleiro. Referida locação não se confunde e tampouco se assemelha com a locação convencional de que trata a Lei nº 8.245/1991, que veda a hospedagem por hora, por dia, de parte do imóvel (cômodos), com caráter nitidamente comercial. Outrossim, na hospedagem oferecida pela plataforma AIRBNB o pacto firmado entre as partes não resguarda os direitos do locatário e locador e muito menos a responsabilidade civil necessária na defesa da integridade do patrimônio comum.
Assemelha-se a um serviço de hospedagem de hotelaria e flats, com sistema de check-in/check-out, taxas de limpeza e sem muita burocracia, bastando o interessado estar cadastrado na plataforma e possuir um cartão de crédito.
Assim, se o condomínio tem a finalidade de uso residencial a lei determina que os condôminos não possam dar destinação diversa às suas unidades; não podem exercer sobre a sua unidade atividades de mercancia sob pena de desvirtuar a finalidade de uso do condomínio. Indubitável que o condomínio residencial não comporta essa modalidade de hospedagem.
Outro ponto a ser destacado é que a utilização de uma unidade condominial para hotelaria altera a rotina e a segurança do condomínio. Se na prática já é tortuoso fazer com que a maioria dos condôminos observem as recomendações e normas de segurança do condomínio, o que se dirá em relação a um hospede que poderá usufruir da área comum do condomínio por apenas algumas horas?
Outros destaques negativos do AIRBNB em condomínios residenciais, também são de grande valia, dentre eles:
– O cadastramento da biometria para acesso aos elevadores, academia, piscina e demais áreas de lazer do condomínio. Quantos cadastramentos biométricos serão realizados em 1 mês? E se a unidade optar pela hospedagem apenas de cômodos? Para uma unidade que tenha 4 quartos, seriam necessários no mínimo 4 cadastros biométricos;
– Uso das vagas de garagem, os controles dos portões automáticos fazem parte do pacote? E o cadastramento das placas dos automóveis? Quantos cadastros serão necessários por mês? E as regras internas de segurança para transitar na garagem? Serão respeitadas?
– Será permitido a locação do salão de festas?
– E a piscina e a academia, que são usadas como atrativos e diferenciais? Quantos desconhecidos usarão essas áreas de lazer em um mês? E a preservação da intimidade dos demais condôminos, como fica?
No caso das hospedagens em hotéis e flats esses problemas não acontecem, primeiramente porque o cadastramento do hospede é feito mediante cartão magnético e o cartão de crédito fica como garantia de qualquer dano ou infração cometida. No estacionamento existe o serviço de manobrista. Piscina e academia são utilizadas por outros hospedes, logo não há o que se falar em preservação da intimidade. Por último, tanto os hotéis como os flats possuem uma equipe de segurança, tendo em vista a alta rotatividade de pessoas no local.
A Justiça brasileira tem decisões afirmando que o condomínio pode, se isso é o que consta da convenção, exigir que os condôminos só utilizem suas unidades para fins residenciais. Utilizar essa modalidade de hospedagem sem o aval do condomínio é uma infração à finalidade de uso do condomínio e ao Código Civil. O condômino pode ser advertido, multado, multado em dobro, porque o entra e sai de estranhos, além de colocar em risco a coletividade, acaba tumultuando o bem-estar dos moradores por todas razões acima expostas.
O principal argumento de sustentação utilizado é o desvio de finalidade do prédio, prejudicando a segurança e o sossego dos condôminos. Desembargadores e juízes, apesar da divergência de decisões, de maneira majoritária estão entendendo que locação por diária é exclusivo de meios de hospedagem, como hotéis e flats.
Concluindo, o proprietário não pode tudo. Deve ele respeitar direitos de terceiros e usar a propriedade preservando a sua função social e de sorte a não causar danos ao meio ambiente. Se não houver previsão de utilização da unidade para fins de hospedagem na convenção, o proprietário da unidade autônoma não poderá utilizá-la para hospedagem. Quem mora em condomínio deve respeitar as regras da convenção de condomínio, que é a lei geral que rege a vida dos condôminos.
No entanto, se o condomínio quiser permitir a exploração de unidades na modalidade de hospedagem para os moradores usarem AIRBNB e similares, isso deverá ser feito mediante modificação da convenção de condomínio. Essa decisão depende do voto de 2/3 dos condôminos, como prevê o art. 1.351 do Código Civil.
Alguns operadores do direito vão mais além, sustentam que não seja suficiente apenas a previsão na convenção e adaptação às novas regras, mas imprescindível mudar a destinação do uso do edifício, o que exige a unanimidade dos condôminos, de acordo com o mesmo art. 1351 do Código Civil:
Art. 1.351. Depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção; a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende da aprovação pela unanimidade dos condôminos.
Corroborando com a nossa tese da impossibilidade de exploração da unidade condominial em caráter de hospedagem, transcrevemos alguns julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
Ementa: Agravo de instrumento. Ação visando a anulação de deliberação condominial. Utilização do apartamento como hospedagem, por meio da plataforma eletrônica “Air BNB”. Impossibilidade. Edifício de caráter residencial. Liminar revogada. Recurso provido.
Gustavo Mangualde dos Santos Amaral e Maria Clara Magalhães dos Santos Amaral ajuizaram ação visando anular deliberação de assembleia condominial que impediu a locação do apartamento por período inferior a 90 dias.
Alegam os Autores que se utilizam da plataforma eletrônica AIRBNB.com.br para locação do seu imóvel por temporada, como autorizam os arts. 3º e 48 da Lei 8.245/91, normas que não podem ser afastadas assembleia condominial.
O condomínio em questão é residencial, sendo dever dos condôminos dar às suas partes a mesma destinação, nos termos do art. 1.336, IV do Código Civil.
Disto se extrai que a locação dos apartamentos está autorizada, pois a fruição é um dos atributos do direito de propriedade, mas deve se destinar ao uso residencial.
No caso, os Autores pretendem conferir ao imóvel o caráter de hospedagem, destinando-o ao turismo, como se extrai de breve consulta ao site AIRBNB.com.br, que assim descreve sua origem e os serviços prestados: “Fundado em agosto de 2008 e com sede em São Francisco, Califórnia, o AIRBNB é um mercado comunitário confiável para pessoas anunciarem, descobrirem e reservarem acomodações únicas ao redor do mundo, seja de um computador, de um celular ou de uma tablet.
Não importa se você precisa de um apartamento por uma noite, um castelo por uma semana ou um condomínio por um mês: o AIRBNB conecta as pessoas a experiências de viagem únicas, preços variados, em mais de 65.000 cidades e 191 países. Com um serviço de atendimento ao consumidor de nível internacional e uma comunidade de usuários em crescimento constante, o AIRBNB é a maneira mais fácil de transformar seu espaço extraem dinheiro e mostrá-lo para milhões de pessoas. (https://www.AIRBNB.com.br/about/about-us).
Esta utilização do apartamento não se mostra compatível com a destinação da edificação.
Neste sentido o entendimento já manifestado nesta Corte: “Agravo de Instrumento. Interposição contra decisão que deferiu a tutela de urgência com determinação à ré a abstenção de locar ou ceder o imóvel com finalidade característica de hotelaria ou hospedaria, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00. Possibilidade de se determinar a antecipação dos efeitos da tutela determinada, diante da presença de elementos que evidenciam a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, nos termos do artigo 294 e 300 do Código de Processo Civil de 2015. Observação com relação ao teto da incidência da multa (astreintes) em caso de eventual descumprimento da decisão. Decisão mantida, com observação. (Agravo de Instrumento nº 2047686-61.2017, relator Desembargador Mário A. Silveira).
Assim, não há razão para afastar, liminarmente, a deliberação da assembleia condominial.
Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso para revogar a liminar.
(AI nº 2133212-93.2017, 36ª Câmara de Direito Privado, Relator Pedro Baccarat, DJ 27/09/2017)
Ementa: Agravo de Instrumento. Condomínio. Tutela de Urgência de Natureza Antecedente. Pretensão a que possa livremente locar seus imóveis por temporada e mediante uso de aplicativos, bem como para que seja afastada a restrição de uso das áreas comuns pelos inquilinos. Locação por uso de aplicativos ou páginas eletrônicas (‘AIRBNB’ e afins) que possui finalidade característica de hotelaria ou hospedaria. Deliberações tomadas em Assembleia Geral Extraordinária, por medidas de segurança aos condôminos. Indeferimento inicial que se mantém, pela inexistência de elementos que evidenciem o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Ausência dos pressupostos do art. 300, CPC. Decisão mantida. Recurso não provido.
Pelo que se extrai da ata juntada a fls. 26/31, a questão foi exaustivamente discutida em assembleia, quando se deliberou, entre outras razões, por motivos de segurança, pela proibição das locações com finalidade comercial por curto prazo, mediante uso de aplicativos tal como “AIRBNB” e assemelhados. Não se verifica ofensa explícita a direito de proprietário, já que a da unidade para fins de locação de curto período por aplicativos, com verdadeiro caráter hoteleiro, efetivamente não se mostra compatível com a destinação residencial do condomínio.
Nesse mesmo sentido:
“Agravo de instrumento. Ação visando a anulação de deliberação condominial. Utilização do apartamento como hospedagem, por meio da plataforma eletrônica “Air BNB”. Impossibilidade. Edifício de caráter residencial. Liminar revogada. Recurso provido.”(TJSP;
Agravo de Instrumento 2133212-93.2017.8.26.0000; Relator (a): Pedro Baccarat; Órgão Julgador: 36ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II – Santo Amaro – 14ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/09/2017; Data de Registro: 27/09/2017)
No mais, a assembleia é soberana em suas decisões, não sendo recomendável, a menos em caso de ofensa à lei, a interferência do Poder Judiciário nas questões condominiais, notadamente em juízo de cognição sumária.
Quantos aos alegados vícios formais, a questão depende de maior comprovação, já que os documentos que instruíram a inicial não são suficientes para conferir a plausibilidade ao argumento da parte autora.
Diante do exposto, INDEFIRO a tutela provisória.
Emende a parte autora a sua inicial, nos termos do artigo 303, § 6º, do NCPC, em 5 (cinco) dias, sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito.
Após, venham os autos conclusos para a análise da emenda à inicial ou extinção do processo. Int.”
Em que pese o inconformismo do autor, a irresignação recursal não comporta acolhida.
A concessão da tutela de provisória de urgência, em sede de tutela cautelar antecedente, consoante dicção do artigo 300, do Código de Processo Civil, exige a presença de “elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”, observando-se que a medida “não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão” (§ 3º).
Segundo a sistemática processual vigente, aquele que pretende se beneficiar com a tutela de urgência deve comprovar a existência de elementos de informação, que conduzam à plausibilidade de suas alegações (‘fumus boni iuris’), assim como o risco de dano irreparável ou de difícil reparação decorrente da demora na prestação jurisdicional (‘periculum in mora’), além da reversibilidade dos efeitos da medida.
Assim, conquanto não se exija prova capaz de formar juízo de plena convicção, o requerente deve trazer aos autos elementos de informação sólidos, consistentes, aptos a proporcionar ao Magistrado a formação de um Juízo de probabilidade, quanto ao direito alegado.
Em semelhante conjuntura, em cognição sumária, não há elementos suficientes para a imediata revogação da decisão tomada em Assembleia Geral Extraordinária, pela qual restou proibida a locação com finalidade comercial por curto prazo, por meio de aplicativos, inclusive pelo portal ‘AIRBNB’ e assemelhados, sendo admitida a locação do imóvel somente com finalidade residencial (fls. 26/31).
Nessa direção, os seguintes julgados deste Tribunal:
“Agravo de instrumento. Ação visando a anulação de deliberação condominial.
Utilização do apartamento como hospedagem, por meio da plataforma eletrônica “Air BNB”.
Impossibilidade. Edifício de caráter residencial. Liminar revogada. Recurso provido” (TJSP; Agravo de Instrumento 2133212-93.2017.8.26.0000; Relator (a): Pedro Baccarat; Órgão Julgador: 36ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II – Santo Amaro – 14ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/09/2017; Data de Registro: 27/09/2017 invocado na decisão agravada).
AGRAVO DE INSTRUMENTO Interposição contra decisão que deferiu a tutela de urgência com determinação à ré a abstenção de locar ou ceder o imóvel com finalidade característica de hotelaria ou hospedaria, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00.
Possibilidade de se determinar a antecipação dos efeitos da tutela determinada, diante da presença de elementos que evidenciam a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, nos termos do artigo 294 e 300 do Código de Processo
Civil de 2015. Observação com relação ao teto da incidência da multa (astreintes) em caso de eventual descumprimento da decisão.
Decisão mantida, com observação”
(TJSP; Agravo de Instrumento 2047686-61.2017.8.26.0000; Relator (a): Mario A. Silveira; Órgão Julgador: 33ª Câmara de Direito Privado; Foro de Rio Claro – 2ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 29/05/2017; Data de Registro: 08/06/2017 – grifei)
Destaca-se, em sede de cognição sumária, somente para a análise da tutela de urgência, que a locação dos imóveis residenciais de propriedade do agravante, situados dentro do Condomínio, não são para uso meramente residencial, porque inegável a alta rotatividade de pessoas, já que, como bem pontuado pelo ilustre Magistrado, a locação de curto período por aplicativos possui verdadeiro caráter hoteleiro, corroborado o ato pela mensagem eletrônica entre o autor e o agravado, a respeito de um contrato firmado pelo agravante, para os dias 04 a 08 de janeiro do corrente ano (fls. 64/68).
Tal consideração pode ser corroborada por singela consulta ao ‘site’ do ‘AIRBNB’ (https://www.AIRBNB.com.br/host/homes?from_footer=1), que explicita:
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Desta feita, ao menos nos estreitos limites de cognição deste recurso, não se vislumbra nenhum elemento apto a ensejar a concessão da tutela provisória, na forma pretendida, posto que a utilização da unidade condominial para hotelaria altera toda a rotina e a segurança do Condomínio.
Não se está a afirmar que inexiste prejuízo ao agravante, entretanto, em Juízo de cognição sumária, não estão presentes os requisitos para a medida excepcional, nos termos do artigo 300, do Código de Processo Civil, de modo que melhor será relegar a matéria para apreciação oportuna.
No tocante ao pedido de autorização para uso das áreas comuns pelos inquilinos, certo é que a decisão agravada nada mencionou a respeito, de sorte que a matéria não poderá ser aqui conhecida, sob pena de violação do princípio de Instância.
Por fim, como bem determinado pelo douto Magistrado, “quanto aos alegados vícios formais, a questão depende de maior comprovação, já que os documentos que instruíram a inicial não são suficientes para conferir a plausibilidade ao argumento da parte autora”.
Assim, não evidenciado o desacerto da decisão, o indeferimento inicial da tutela era mesmo de rigor.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso.
(AI nº º 2013529-28.2018.8.26.0000, 26ª Câmara de Direito Privado, Relator Bonilha Filho, Data do julgamento: 26/02/2018.)
SP, 21-5-18.
por Marcelo Harada - Sócio da Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela PUC/SP.
Fonte: Haradaadvogados.com.br/
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