quinta-feira, 21 de março de 2019

Teoria geral do processo

A Teoria Geral do Processo, Teoria do Processo, Teoria Geral do Direito Processual ou Teoria do Direito Processual é uma disciplina jurídica dedicada à elaboração, à organização e à articulação dos conceitos jurídicos fundamentais (lógico-jurídicos) processuais. São conceitos jurídicos fundamentais (lógico-jurídicos) processuais todos aqueles indispensáveis à compreensão jurídica do fenômeno processual, onde quer que ele ocorra. Ou seja: são conceitos que servem como pressuposto para uma abordagem científica do Direito processual positivo. São exemplos: processo, competência, decisão, cognição, admissibilidade, norma processual, demanda, legitimidade, pretensão processual, capacidade de ser parte, capacidade processual, capacidade postulatória, prova, presunção e tutela jurisdicional.

A Teoria Geral do Processo é uma parte da Teoria Geral do Direito. A Teoria Geral do Processo é, em relação à Teoria Geral do Direito, uma teoria parcial, pois se ocupa dos conceitos fundamentais relacionados ao processo, um dos fatos sociais regulados pelo Direito. É, por isso, uma disciplina filosófica, de viés epistemológico. Nesse sentido, como excerto da Epistemologia do Processo, é ramo da Filosofia do Processo.

A Teoria Geral do Processo pode ser compreendida como uma teoria geral, pois os conceitos jurídicos fundamentais (lógico-jurídicos) processuais, que compõem o seu conteúdo, têm pretensão universal. Convém adjetivá-la como “geral” exatamente para que possa ser distinguida das teorias individuais do processo, que têm pretensão de servir à compreensão de determinadas realidades normativas, como o Direito brasileiro ou italiano.

O Direito Processual Civil é o conjunto das normas que disciplinam o processo jurisdicional civil – visto como ato-jurídico complexo ou como feixe de relações jurídicas. Compõe-se das normas que determinam o modo como o processo deve estruturar-se e as situações jurídicas que decorrem dos fatos jurídicos processuais. A Ciência do Direito Processual Civil (Ciência Dogmática do Processo ou, simplesmente, Ciência do Processo) é o ramo do pensamento jurídico dogmático dedicado a formular as diretrizes, apresentar os fundamentos e oferecer os subsídios para as adequadas compreensão e aplicação do Direito Processual Civil. O Direito Processual Civil é o objeto desta Ciência. Cabe à Ciência do Direito Processual Civil, por exemplo, a elaboração, articulação e sistematização dos conceitos jurídico-positivos, construídos para a compreensão de um determinado direito positivo. Um exemplo: é a Ciência do Processo que definirá o que são a apelação, uma liminar, uma decisão interlocutória, uma penhora, uma reconvenção etc., para o direito processual civil brasileiro. São, assim, dois planos distintos de linguagem: o plano normativo (Direito Processual) e o plano doutrinário (Ciência do Direito Processual).

O plano da linguagem doutrinária opera sobre o plano normativo, por isso a linguagem doutrinária é considerada uma metalinguagem: linguagem (científica) sobre linguagem (normativa). A relação entre a Teoria Geral do Processo e a Ciência do Direito Processual é a mesma que se estabelece entre a Teoria Geral do Direito e a Ciência (dogmática) do Direito. Ambas são linguagens científicas – não normativas, pois.

A relação entre esses dois níveis de linguagem é permanente e inevitável, mas é preciso que fiquem sempre claras as suas diferenças. A Teoria Geral do Processo é, como visto, epistemologia. A epistemologia pode ser entendida como ciência da ciência. Neste sentido, a Teoria Geral do Processo seria uma das Ciências do Processo, ao lado da Sociologia do Processo, da História do Processo e da Ciência do Direito Processual ou Ciência Dogmática do Processo. O contraponto feito aqui é entre a Teoria Geral do Processo e a Ciência do Direito Processual. A separação entre as linguagens da Teoria Geral do Processo e da Ciência do Processo é imprescindível para a boa qualidade da produção doutrinária.

Há problemas de direito positivo que, por vezes, são examinados como se fossem problemas gerais. Essa falha de percepção compromete a qualidade do trabalho doutrinário. Uma coisa é discutir o conteúdo das normas de um determinado Direito Positivo – saber (a) se o juiz pode ou não determinar provas sem requerimento das partes; (b) qual é o recurso cabível contra determinada decisão; (c) se determinada questão pode ser alegada a qualquer tempo durante o processo; (d) como se conta o prazo para a apresentação da defesa etc. Esses são problemas da Ciência do Direito Processual. Coisa bem distinta é saber o que (a) é uma decisão judicial, (b) se entende por prova; (c) torna uma norma processual; (d) é o processo. Essas são questões anteriores à análise do Direito positivo; o aplicador do Direito deve conhecê-las antes de examinar o Direito Processual; são pressupostos para a compreensão do Direito Processual, pouco importa o conteúdo de suas normas. Esses são os problemas atinentes à Teoria Geral do Processo.

Enfim, a Teoria Geral do Processo tem como objeto a Ciência do Direito Processual (civil, penal ou trabalhista etc.), e não o Direito Processual. Ela não se preocupa com o Direito Processual; ou seja, não se atém ao conteúdo das suas normas. É uma terceira camada de linguagem. Direito Processual Civil (linguagem 1, normativa) = objeto da Ciência do Direito Processual Civil (linguagem 2, doutrinária). Ciência do Direito Processual (jurisdicional, administrativo, legislativo ou privado) = objeto da Teoria Geral do Processo (linguagem 3, também doutrinária).

Há quem trate a Teoria Geral do Processo como o conjunto das normas jurídicas processuais fundamentais, principalmente as constitucionais. Teoria Geral do Processo seria, nesse sentido, um Direito Processual Geral e Fundamental. Significativa parcela das críticas dirigidas à Teoria Geral do Processo parte da premissa de que ela equivale à criação de um Direito Processual único, aplicável a todas as modalidades de processo. Essa é, inclusive, a premissa de que parte a maioria dos processualistas penais brasileiros sobre o assunto, que, por isso, rejeitam a existência de uma Teoria Geral do Processo.

Os críticos incorrem em aberratio ictus: miram a Teoria Geral do Processo e acertam o direito processual unitário (civil e penal). Há erro sobre o objeto criticado: Teoria Geral do Processo não é Direito Processual Unitário. A argumentação rui por causa da falha na fundação. Essas críticas partem do equívoco metodológico de confundir o produto da Filosofia do Processo (especificamente, da Teoria Geral do Processo) com o conjunto de normas jurídicas processuais, elas mesmas objeto de investigação pela Ciência Dogmática do Processo. Enfim, em qualquer dos casos, é mixórdia epistêmica que certamente compromete a qualidade da argumentação.

Do mesmo modo, a Teoria Geral do Processo não se confunde com a “Parte Geral” de um Código ou de um Estatuto processual. Como já se viu, não devem ser confundidas as duas dimensões da linguagem jurídica: a linguagem do Direito e a linguagem da Ciência do Direito. A Parte Geral é um conjunto de enunciados normativos; é linguagem prescritiva, produto da atividade normativa. A “Parte Geral” não é a sistematização da Teoria Geral do Processo, que deve ser feita pela Epistemologia do Processo. Parte Geral é excerto de determinado diploma normativo (Códigos, estatutos etc.), composto por enunciados normativos aplicáveis a todas as demais parcelas do mencionado diploma e, eventualmente, até mesmo a outras regiões do ordenamento jurídico.

Eventual sistematização da Teoria Geral do Processo daria lugar a um livro de Filosofia do Processo, tese ou manual, produto da atividade científica, não da legislativa.

Notas
Referências
ARENAL, María Amparo Renedo. Conveniencia del estudio de le Teoría General del Derecho Procesal. Su aplicabilidad a las distintas ramas del mismo. Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Fredie Didier Jr. e Eduardo Jordão (coord.). Salvador: JusPodivm, 2008.

CADIET, Loïc. Prolégomènes à une theorie generale du proces em droit français. Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Fredie Didier Jr. e Eduardo Jordão (coord.). Salvador: Jus Podivm, 2008.

CARNELUTTI, Francesco. Sobre una teoría general del proceso. Cuestiones sobre el proceso penal. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, 1961.

__________________. Cenerentola. Rivista di diritto processuale, v. 1. Padova: Cedam, 1946.

__________________. Rinascita. Rivista di diritto processuale, v. 1. Padova: Cedam, 1946.

CASTILLO, Niceto Alcalá-Zamora y. La teoría general del proceso y la enseñanza del derecho procesal. Estudios de teoría general e historia del proceso (1945-1972). Cidade do México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1974. Tomo 1.

COSTA, Eduardo José da Fonseca. Uma arqueologia das ciências dogmáticas do processo. Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Fredie Didier Jr. (coord.). Salvador: Jus Podivm, 2010. Volume 2.

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. A lide e o conteúdo do processo penal. Curitiba: Juruá, 1998.

__________________. O núcleo do problema no sistema processual penal brasileiro. Boletim IBCCRIM, nº 175. São Paulo, 2007.

DIDIER Jr., Fredie. Sobre a teoria geral do processo, essa desconhecida. 3. ed. Salvador: Jus Podivm, 2016.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.

DUCLERC, Elmir. Direito processual penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

FAZZALARI, Elio. Processo. Teoria generale. Novissimo Digesto Italiano. 3. ed. Torino: Unione Tipografico Editrice Torinese, 1957. Volume 13.

FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoria del diritto e della democrazia. Bari: Editori Laterza, 2007. Volume 1.

GUERRA, FILHO, Willis Santiago. Teoria geral do processo: em que sentido? Lições alternativas de direito processual. Horácio Wanderley Rodrigues (org.). São Paulo: Editora Acadêmica, 1995.

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. Volume 1.

MOREIRA, Rômulo de Andrade. Uma crítica à teoria geral do processo. Porto Alegre: Lex Magister, 2013.

MORELLO, Augusto M. La eficácia del proceso. 2. ed. Buenos Aires: Hamurabi, 2001.

ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.

SOARES, Ricardo Maurício Freire. Fundamentos epistemológicos para uma teoria geral do processo. Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Fredie Didier Jr. e Eduardo Jordão (coord.). Salvador: JusPodivm, 2008.

TUCCI, Rogério Lauria. Considerações acerca da inadmissibilidade de uma teoria geral do processo. Revista jurídica, nº 281. Porto Alegre, 2001.

VIDIGAL, Luis Eulálio de Bueno. Por que unificar o direito processual? Revista de processo, nº 27. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982.

Citação
DIDIER JR., Fredie. Teoria geral do processo. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Processo Civil. Cassio Scarpinella Bueno, Olavo de Oliveira Neto (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/194/edicao-1/teoria-geral-do-processo

Fredie Didier Jr.

Nenhum comentário:

Postar um comentário