A Teoria Geral do Processo, Teoria do Processo, Teoria Geral do Direito Processual ou Teoria do Direito Processual é uma disciplina jurídica dedicada à elaboração, à organização e à articulação dos conceitos jurídicos fundamentais (lógico-jurídicos) processuais. São conceitos jurídicos fundamentais (lógico-jurídicos) processuais todos aqueles indispensáveis à compreensão jurídica do fenômeno processual, onde quer que ele ocorra. Ou seja: são conceitos que servem como pressuposto para uma abordagem científica do Direito processual positivo. São exemplos: processo, competência, decisão, cognição, admissibilidade, norma processual, demanda, legitimidade, pretensão processual, capacidade de ser parte, capacidade processual, capacidade postulatória, prova, presunção e tutela jurisdicional.
A Teoria Geral do Processo pode ser compreendida como uma teoria geral, pois os conceitos jurídicos fundamentais (lógico-jurídicos) processuais, que compõem o seu conteúdo, têm pretensão universal. Convém adjetivá-la como “geral” exatamente para que possa ser distinguida das teorias individuais do processo, que têm pretensão de servir à compreensão de determinadas realidades normativas, como o Direito brasileiro ou italiano.
O Direito Processual Civil é o conjunto das normas que disciplinam o processo jurisdicional civil – visto como ato-jurídico complexo ou como feixe de relações jurídicas. Compõe-se das normas que determinam o modo como o processo deve estruturar-se e as situações jurídicas que decorrem dos fatos jurídicos processuais. A Ciência do Direito Processual Civil (Ciência Dogmática do Processo ou, simplesmente, Ciência do Processo) é o ramo do pensamento jurídico dogmático dedicado a formular as diretrizes, apresentar os fundamentos e oferecer os subsídios para as adequadas compreensão e aplicação do Direito Processual Civil. O Direito Processual Civil é o objeto desta Ciência. Cabe à Ciência do Direito Processual Civil, por exemplo, a elaboração, articulação e sistematização dos conceitos jurídico-positivos, construídos para a compreensão de um determinado direito positivo. Um exemplo: é a Ciência do Processo que definirá o que são a apelação, uma liminar, uma decisão interlocutória, uma penhora, uma reconvenção etc., para o direito processual civil brasileiro. São, assim, dois planos distintos de linguagem: o plano normativo (Direito Processual) e o plano doutrinário (Ciência do Direito Processual).
O plano da linguagem doutrinária opera sobre o plano normativo, por isso a linguagem doutrinária é considerada uma metalinguagem: linguagem (científica) sobre linguagem (normativa). A relação entre a Teoria Geral do Processo e a Ciência do Direito Processual é a mesma que se estabelece entre a Teoria Geral do Direito e a Ciência (dogmática) do Direito. Ambas são linguagens científicas – não normativas, pois.
A relação entre esses dois níveis de linguagem é permanente e inevitável, mas é preciso que fiquem sempre claras as suas diferenças. A Teoria Geral do Processo é, como visto, epistemologia. A epistemologia pode ser entendida como ciência da ciência. Neste sentido, a Teoria Geral do Processo seria uma das Ciências do Processo, ao lado da Sociologia do Processo, da História do Processo e da Ciência do Direito Processual ou Ciência Dogmática do Processo. O contraponto feito aqui é entre a Teoria Geral do Processo e a Ciência do Direito Processual. A separação entre as linguagens da Teoria Geral do Processo e da Ciência do Processo é imprescindível para a boa qualidade da produção doutrinária.
Há problemas de direito positivo que, por vezes, são examinados como se fossem problemas gerais. Essa falha de percepção compromete a qualidade do trabalho doutrinário. Uma coisa é discutir o conteúdo das normas de um determinado Direito Positivo – saber (a) se o juiz pode ou não determinar provas sem requerimento das partes; (b) qual é o recurso cabível contra determinada decisão; (c) se determinada questão pode ser alegada a qualquer tempo durante o processo; (d) como se conta o prazo para a apresentação da defesa etc. Esses são problemas da Ciência do Direito Processual. Coisa bem distinta é saber o que (a) é uma decisão judicial, (b) se entende por prova; (c) torna uma norma processual; (d) é o processo. Essas são questões anteriores à análise do Direito positivo; o aplicador do Direito deve conhecê-las antes de examinar o Direito Processual; são pressupostos para a compreensão do Direito Processual, pouco importa o conteúdo de suas normas. Esses são os problemas atinentes à Teoria Geral do Processo.
Enfim, a Teoria Geral do Processo tem como objeto a Ciência do Direito Processual (civil, penal ou trabalhista etc.), e não o Direito Processual. Ela não se preocupa com o Direito Processual; ou seja, não se atém ao conteúdo das suas normas. É uma terceira camada de linguagem. Direito Processual Civil (linguagem 1, normativa) = objeto da Ciência do Direito Processual Civil (linguagem 2, doutrinária). Ciência do Direito Processual (jurisdicional, administrativo, legislativo ou privado) = objeto da Teoria Geral do Processo (linguagem 3, também doutrinária).
Há quem trate a Teoria Geral do Processo como o conjunto das normas jurídicas processuais fundamentais, principalmente as constitucionais. Teoria Geral do Processo seria, nesse sentido, um Direito Processual Geral e Fundamental. Significativa parcela das críticas dirigidas à Teoria Geral do Processo parte da premissa de que ela equivale à criação de um Direito Processual único, aplicável a todas as modalidades de processo. Essa é, inclusive, a premissa de que parte a maioria dos processualistas penais brasileiros sobre o assunto, que, por isso, rejeitam a existência de uma Teoria Geral do Processo.
Os críticos incorrem em aberratio ictus: miram a Teoria Geral do Processo e acertam o direito processual unitário (civil e penal). Há erro sobre o objeto criticado: Teoria Geral do Processo não é Direito Processual Unitário. A argumentação rui por causa da falha na fundação. Essas críticas partem do equívoco metodológico de confundir o produto da Filosofia do Processo (especificamente, da Teoria Geral do Processo) com o conjunto de normas jurídicas processuais, elas mesmas objeto de investigação pela Ciência Dogmática do Processo. Enfim, em qualquer dos casos, é mixórdia epistêmica que certamente compromete a qualidade da argumentação.
Do mesmo modo, a Teoria Geral do Processo não se confunde com a “Parte Geral” de um Código ou de um Estatuto processual. Como já se viu, não devem ser confundidas as duas dimensões da linguagem jurídica: a linguagem do Direito e a linguagem da Ciência do Direito. A Parte Geral é um conjunto de enunciados normativos; é linguagem prescritiva, produto da atividade normativa. A “Parte Geral” não é a sistematização da Teoria Geral do Processo, que deve ser feita pela Epistemologia do Processo. Parte Geral é excerto de determinado diploma normativo (Códigos, estatutos etc.), composto por enunciados normativos aplicáveis a todas as demais parcelas do mencionado diploma e, eventualmente, até mesmo a outras regiões do ordenamento jurídico.
Eventual sistematização da Teoria Geral do Processo daria lugar a um livro de Filosofia do Processo, tese ou manual, produto da atividade científica, não da legislativa.
Notas
Referências
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Citação
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Fredie Didier Jr.
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